A Câmara de Porto Alegre definiu as datas de 5 e 16 de março para realizar as duas audiências públicas para debater com a sociedade os projetos do prefeito Nelson Marchezan sobre mobilidade urbana. O pacote da prefeitura tem seis propostas para, entre outras medidas, criar um pedágio para carros de fora da cidade e cobrar uma tarifa de aplicativos de transporte (veja lista completa ao final).
A primeira audiência terá na pauta a permissão para a prefeitura subsidiar o transporte público, a taxação dos aplicativos, o fim da cobrança de tarifa de gestão do sistema do transporte e a permissão para a prefeitura mudar regras de descontos e isenção na passagem. Na segunda, o debate será sobre a criação da taxa de mobilidade urbana no lugar do vale-transporte e sobre a aplicação de pedágio de R$ 4,70 para veículos de fora da cidade.
Outra proposta de Marchezan para a mobilidade, protocolada ainda em 2017, prevendo a redução gradual de cobradores nos ônibus da cidade, foi rejeitada pela Câmara no início deste mês.
A prefeitura projetou que, se todo o pacote fosse aprovado, o valor da tarifa cairia para menos de R$ 2 até 2021. A administração municipal defende a redução no valor da tarifa como estratégia para incentivar o uso do transporte público – que vem apresentando queda constante no número de usuários nos últimos anos.
A tarifa atual é de R$ 4,70. As empresas de ônibus pedem o reajuste da passagem para R$ 5,20, ainda em 2020. Para conter o aumento, a prefeitura já sugeriu que as empresas de ônibus não concedam reajuste salarial aos trabalhadores.
Os projetos foram protocolados pelo prefeito em 27 de janeiro, com pedido para que fossem votados, em sessões extraordinárias, em 30 e 31 de janeiro. Sem apoio suficiente, a prefeitura não conseguiu levar à votação nenhum dos textos durante a convocação extraordinária. Três dias depois, em sessão ordinária, os vereadores derrubaram o projeto da prefeitura que permitiria a redução gradual de cobradores.
Como participar
As audiências públicas estão marcadas para 5 e 16 de março, às 19h, no Plenário da Câmara. Podem se manifestar nos encontros as entidades que solicitaram as audiências públicas, os vereadores e até 10 pessoas da sociedade civil que se inscreverem, por ordem de chegada.
Entenda os projetos
1. Tarifa pelo uso de sistema viário para aplicativos
Porto Alegre instituiria uma "tarifa de uso do sistema viário" para os aplicativos de transporte de passageiros. Empresas que optarem por rodar na Capital teriam de abrir os dados das suas corridas e pagariam R$ 0,28 de tarifa por quilômetro rodado.
De onde vem a inspiração: cidades como Curitiba, Fortaleza, Brasília e São Paulo já tributam os aplicativos de diferentes formas. A maior inspiração é a capital paulista, que aplica uma tarifa variável de R$ 0,10 a R$ 0,40 por quilômetro conforme o horário e o trânsito.
Impacto estimado na tarifa: menos R$ 0,70
Por que é polêmico: se a tarifa for repassada pelas empresas de aplicativo ao consumidor, as corridas ficarão mais caras.
A justificativa da prefeitura: seria justo taxar as empresas que estão ganhando dinheiro aos custos das vias da cidade, além de estarem gerando congestionamentos no trânsito. De quebra, tornaria mais justa a competição com o ônibus, tendo em vista que o preço das corridas curtas se aproxima do valor unitário da passagem.
2. Tarifa de congestionamento urbano para carros de fora
Na prática, é um pedágio para entrar em Porto Alegre. Veículos com placas de fora da Capital pagariam R$ 4,70 para ingressar na cidade. A tarifa vigoraria apenas em dias úteis e a cobrança seria automatizada: por meio de câmeras na entrada da cidade e a cobrança enviada para a residência dos motoristas, que se cadastrariam em um site. Carros não cadastrados correriam o risco de ser multados e/ou apreendidos.
Impacto estimado na tarifa: menos R$ 0,50
De onde vem a inspiração: a exceção de cidades turísticas, como Fernando de Noronha (PE), a medida é novidade no Brasil. A inspiração vem de cidades como Santiago, Londres e Roma, embora essas metrópoles costumem cobrar apenas pelo acesso a determinadas regiões, para coibir congestionamentos. Pela justificativa do projeto, o maior exemplo é Nova York, que em 2021 passará a cobrar US$ 10 pelo acesso de carros a determinadas regiões e, com o dinheiro, financiará o sistema de metrô, que passa por crise financeira.
Por que é polêmico: sobretudo porque onera quem trabalha em Porto Alegre e tem veículo emplacado em algum dos mais de 10 municípios da Região Metropolitana. Há outros prejudicados, como motoboys, veículos de carga e carros de locadoras de veículos – que são emplacados em outras cidades e podem, eventualmente, ter de pagar a taxa caso saiam e entrem na cidade.
A justificativa da prefeitura: a prefeitura calcula que 70 mil veículos de fora acessem a cidade diariamente, e acha justo que eles sejam onerados no valor que hoje corresponde a uma tarifa de transporte público para utilizar as vias de Porto Alegre. O município também acredita que isso pode ter o impacto positivo de estimular que as pessoas venham da Região Metropolitana usando transporte público e empresas a emplacarem seus veículos na cidade.
3. Taxa de mobilidade urbana em vez de vale-transporte
A mais heterodoxa e menos consolidada das propostas, a taxa de mobilidade urbana seria um valor fixo cobrado das empresas para cada um dos seus trabalhadores registrados com carteira assinada (celetistas). Esses trabalhadores deixariam de ganhar vale-transporte (VT) e de ter o benefício descontado dos seus vencimentos. Em vez dele, os empregados ganhariam um cartão de passe livre para circular no sistema de ônibus. Ainda não está definida de quanto seria essa taxa, mas a ideia é que ela seja significativamente menor do que o valor mensal que as empresas gastam em vale-transporte.
De onde vem a inspiração: a prefeitura não revelou nenhuma referência.
Impacto estimado na tarifa: como ainda não foi calculada a tarifa, o impacto é desconhecido. Mas a prefeitura estima que 550 mil celetistas trabalhem em Porto Alegre.
Por que é polêmico: hoje, as empresas só concedem vale-transporte aos empregados que assim desejarem. As empresas teriam da pagar a taxa de mobilidade a todos os seus funcionários, mesmo os que não utilizam o sistema, e não poderiam descontar o valor em folha. Não está claro como ficaria o vale-transporte de quem precisa vir para o trabalho de outro município.
A justificativa da prefeitura: nos cálculos do município, o contingente de empregados que recebem VT é significativamente maior do que os que não recebem. Portanto, as empresas não seriam de todo prejudicadas ao trocar o vale-transporte por uma taxa menor, mas para todos os funcionários. Além do passe livre, os empregados seriam beneficiados ao não ter mais o valor do VT descontado em folha. A ideia é que a medida também estimule outros trabalhadores a trocar o carro pelo ônibus, já que todos eles teriam passe livre.
4. Fim da taxa de gestão da Câmara de Compensação Tarifária (CCT)
Hoje, 3% da tarifa de ônibus é destinada à gestão do sistema do transporte. Esse valor – que soma R$ 24 milhões anuais – deixaria de fazer parte do cálculo da passagem e passaria ser buscado junto ao Tesouro do município.
Impacto estimado na tarifa: menos R$ 0,15
Por que é polêmico: não há maiores divergências. Segundo a prefeitura, a taxa foi criada sobre uma tarifa menor e a partir de uma lógica em que o transporte público da cidade conseguia se viabilizar apenas com os seus passageiros. Com o tempo, o valor se tornou pesado na tarifa e injustificável. O problema será buscar os recursos de outra fonte.
A justificativa da prefeitura: O município argumenta que cobrar pela gestão do transporte dos próprios usuários do ônibus seria contraditório à lógica de todo o pacote, de que o transporte é um direito constitucional do cidadão como saúde ou educação, e o poder público deve assegurá-lo com a colaboração de todos os contribuintes.