Que o Arroio Dilúvio agoniza com a poluição não é novidade. Mas, mesmo para quem se acostumou a ver o curso d'água castigado, o cenário que predomina nos últimos dias é impactante: centenas de peixes mortos boiando e um forte odor no trecho próximo à Avenida Praia de Belas chamam a atenção de quem circula pela Avenida Ipiranga. A situação também intrigou o poder público, que, na terça-feira (3), coletou água na altura do cruzamento para tentar explicar o fenômeno.
O resultado das amostras deve levar 10 dias para chegar à Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams). Se ainda não é possível dizer o que faz a mortandade de peixes e o cheiro ruim parecerem mais intensos que em anos anteriores, a origem do problema, segundo pesquisadores, tende a ser a mesma de outros tempos. O excesso de material orgânico que consome oxigênio do arroio e, combinado com o calor, torna o ambiente ainda mais hostil aos cardumes.
— Existem peixes mais rústicos, como o jundiá, que costumam resistir bem a baixas concentrações de oxigênio. Mas mesmo esses estão morrendo — observa o diretor do Instituto de Meio Ambiente da PUCRS, Nelson Ferreira Fontoura.
Fontoura explica que o Dilúvio tem um problema crônico de lançamento de esgoto cloacal que chega tanto pela rede mista — que representa pelo menos um quarto da carga que ingressa no Dilúvio — quanto in natura, de áreas irregulares. Quando o nível da água está baixo, e o clima, mais quente, o oxigênio também diminui, e algumas espécies não resistem.
Desde junho, a PUCRS realiza o monitoramento da qualidade da água no local, e há previsão de um trabalho de mapeamento dos emissores de resíduos, que poderá servir como base para a elaboração de políticas públicas de regularização fundiária e saneamento. Até então, as análises não fogem do padrão. Segundo o professor, um dia antes da primeira leva de peixes mortos aparecer no arroio, em novembro, foi feita uma medição que indicou níveis semelhantes às coletas realizadas em meses anteriores.
— As nossas análises, em geral, são feitas com material coletado pela manhã. Mas à noite tudo pode mudar, porque é quando há maior consumo de oxigênio pelas algas, bactérias e peixes — explica.
Conforme o professor da PUCRS, um paliativo para o problema, que se intensifica nos meses de calor, seria o conserto de barragens danificadas ao longo do arroio. Segundo ele, as estruturas ajudam na oxigenação da água ao longo do dia. Questionada sobre o assunto, a prefeitura não soube informar qual o setor responsável pelas barragens.
Já a solução definitiva levaria tempo e custaria caro. Somente para universalizar o tratamento de esgoto, que hoje é de 56%, teriam de ser investidos RS 1,3 bilhão — haveria ainda questões ligadas à regularização fundiária, responsável por parte significativa dos descartes. Em entrevista ao programa Gaúcha Mais na tarde desta sexta-feira (6), o secretário de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário, disse que o poder público aposta na parceria com a iniciativa privada para agilizar o processo.
— Estamos formatando com o BNDES uma concessão relativa ao esgoto para ver como poderia ser implementado — disse.
Ecobarreira retém algas
Responsável por recolher mais de 700 toneladas de lixo que iriam parar no Guaíba nos últimos três anos, a Ecobarreira localizada junto à foz do Dilúvio é o ponto mais mal-cheiroso do arroio. Isso porque a estrutura, que retém os resíduos da superfície, acaba segurando também a matéria orgânica, impedindo seu escoamento.
— A Ecobarreira retém resíduos que flutuam, e isso inclui o lodo, de modo que as pessoas vão sentir de forma mais intensa os efeitos do odor desagradável naquele ponto. Seria possível liberar a passagem, como se ela não existisse, para tentar dissipar. É uma alternativa cômoda, porque nos livramos do mau cheiro, mas os resíduos iriam junto — avalia Gino Gehling, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
Para tentar minimizar os efeitos do acúmulo de material orgânico, a Safeweb, empresa que administra a estrutura, tem realizado a abertura parcial da barreira. Das 7h às 19h, uma das três partes do suporte é liberada para o escoamento do lodo, e dois funcionários pinçam o lixo para que não chegue ao Guaíba. Segundo Arno Zancanella, responsável técnico pela Ecobarreira, a situação é normal em períodos de calor, mas está mais intensa neste ano.
— Aparece todo verão, mas não como está agora. Em outros anos, a faixa de lodo tinha poucos metros, agora passa da (Avenida) Borges (de Medeiros). Nunca tinha acontecido — observou.
Conforme o professor da UFRGS, mesmo a liberação total da barreira não seria garantia de resolução do problema. Sem chuva, os resíduos poderiam apenas se deslocar para perto da margem do Guaíba, infestando, por exemplo, a orla Moacyr Scliar. A prefeitura diz que está em contato com a área técnica da Safeweb e irá avaliar a necessidade de abertura do trecho.