
Estabelecido em uma pousada no bairro São João, Anderson dos Santos, 39 anos, é uma espécie de inquilino modelo do programa Moradia Primeiro, da prefeitura de Porto Alegre. Como todos os potenciais beneficiários, órgãos de assistência social o prospectaram por enxergarem nele uma boa chance de adaptação ao programa.
– Foi o pessoal da Aicas (Associação Inter-Comunitária de Atendimento Social) que me indicou. Quando me avisaram que saiu o benefício, agilizei os papéis em uma manhã para não perder a vaga. Cheguei aqui em 23 de março e já renovei depois de seis meses. Agora é agarrar a chance, porque o tempo passa rápido demais – declara.
Antes do quarto de madeira de poucos metros quadrados, onde cabem praticamente ele, uma cama de solteiro e um armário pequeno, Anderson passou oito meses morando no Parque Marinha do Brasil, acampado com outros seis amigos em situação de rua. Foi parar lá depois de perder os dois pais, ter um irmão assassinado e se desentender com a irmã. Ele chegou a morar com ela em Passo Fundo, mas voltou para Porto Alegre, onde arriscou viver sem teto.
– No Marinha, a gente chegou num acordo: se já estamos nessa, não vamos ficar pior. Vamos se ajudar em vez de se atrasar. Então se alguém bebia demais ou queria se drogar, nós mandávamos embora – conta.
Para tomar banho, usavam o chuveiro do parque. Cozinhavam em um forno de pedras e dormiam em uma barraca no leito do Guaíba, onde se sentiam mais seguros e isolados. Ao sair, colocavam as roupas e pertences em baldes de plástico e enterravam nas proximidades. Ele ainda recita na ponta da língua dias e horários de distribuição de comida nos sete dias da semana, em Porto Alegre. Cotidiano de que Anderson declara não sentir falta, mas nem sempre é assim.
– Você pode tirar um cara da rua, mas não é fácil tirar a rua do cara. Entediado, é difícil ele resistir à tentação de sair à noite pedindo dinheiro. E aí gastar em drogas, ficar com vergonha, desaparecer... A gente contorna os problemas conforme eles surgem. Só o que causa expulsão direta é brigar ou roubar – conta André Garoa, proprietário da pousada que hospeda Anderson e de outras do programa.
Desde que se mudou do parque para o cômodo da Zona Norte, Anderson já completou um curso de oito meses na UFRGS de agente de promoção de saúde e estuda para completar o Ensino Médio no sistema de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Articulado, bem vestido e com um comprovante de residência debaixo do braço, luta contra o relógio para conseguir emprego. O dos sonhos seria técnico em enfermagem.
– Mas qualquer um serve para eu não voltar pra rua. Tenho medo, porque a rua mudou muito nesses oito meses. Mais gente doente, mais gente desesperada. Onde se distribuía 50 refeições, hoje tem centenas. Queria que as pessoas soubessem que nem todas as pessoas foram parar ali por droga, por violência. Às vezes a perda de um familiar, de um emprego, já te desestabiliza – ensina.