Especial Aniversário de Porto Alegre:
Bom Fim: veja cinco dicas do Tulio

Uma garagem enorme. Atravessá-la de bicicleta era uma aventura. No canto esquerdo, encostado na parede, o Galaxie do tio David. Mais adiante, do outro lado, a Variant verde dos Milman. O piso de cimento liso. A porta de acesso à caldeira da água quente, que de vez enquanto soltava fumaça e ameaçava explodir. Aprendi a andar de bicicleta ali, no subsolo do Edifício Júpiter, na lomba da Fernandes Vieira.
No começo da década de 1970, o Bom Fim ainda era um território povoado por Isaacs, Saras, Abrãos e Raquéis. Seus filhos já tinham outro nomes. Gildo, Arnaldo, Irineu, Vera, Iara. Mas todos se conheciam. E conheciam os tios, os avós, as histórias e os segredos uns dos outros. Nas casas e apartamentos ainda se falava ídiche - basicamente para as crianças e as empregadas não entenderem. Me lembro de ter ido ainda criança ao Bar Fedor, na Felipe Camarão, com meu pai. Sobraram na memória a luz e o burburinho da calçada de uma manhã de domingo.
Pai: me lembro ainda hoje da primeira vez em que ele soltou o guidão e eu atravessei sozinho a imensidão da garagem do Júpiter. Era como viajar no espaço. Eu, criança pequena, vivi uma liberdade alucinante. Então 15 ou 20 anos depois, um dia, voltei à Fernandes Vieira. Expliquei ao porteiro a minha nostalgia. Ele me deixou entrar. Desci pela escada. E senti algo que você, leitor, já deve ter sentido. A garagem gigante havia encolhido. Venci a distância entre uma parede e outra com alguns passos. Então era isso? Só isso? E agora, escrevendo esse texto, pensei que a garagem do Edifício Júpiter é um pouco como o Bom Fim. Pequena. Mas ao mesmo tempo grande. Muito grande. Moacyr Scliar, um dos mais célebres filhos do bairro, que o diga. E disse. E foi ouvido mundo afora.