
Tem dias em que a gente não quer falar de Brasília. E não é por descaso, mas sim por instinto de autopreservação. Porque enquanto o país sangra em tantas frentes — nas escolas, nas estradas, nos alagamentos, na conta de luz — tem sempre um assunto vindo da capital que exige toda a nossa atenção, quase nunca por bons motivos.
“Não vai falar da anistia, Gabriel?”, me disseram ontem, quando preferi comentar sobre o projeto de concessão parcial do DMAE de Porto Alegre à iniciativa privada. O avanço do projeto na Câmara virou combustível novo para polêmica velha. E aí, como de praxe, bastou eu dizer que há coisas mais importantes a serem discutidas no país para ser chamado de alienado, isento, covarde, vendido. De um lado e do outro. Nada ao que eu já não tenha me habituado, claro.
Mas eu mantenho a posição: há coisas mais urgentes, sim.
Eu sou pragmático. E o que mais me irrita em Brasília não é nem a ideologia, nem os discursos — é o tempo e o dinheiro que se desperdiça com o que não vai dar em nada. Outro dia mesmo, falei no meu programa do YouTube, o RivoNews, daquela bizarrice que a Comissão de Segurança Pública aprovou: desarmar os seguranças da Presidência da República. Isso não vai prosperar. Mas vai tramitar. Vai ocupar pauta, microfone, papel, café, câmera e tempo. Muito tempo.
Vamos à conta de padaria: o orçamento da Câmara em 2024 foi de 7 bilhões de reais. Dinheiro meu. Seu. Nosso. Se dividirmos isso pelas cerca de duas mil propostas que tramitaram por lá, temos um custo médio de R$ 3,5 milhões por projeto. Três milhões e meio de reais para a tramitação de cada ideia. Boa ou ruim. Séria ou cômica. Justa ou cretina.
A anistia vai seguir a mesma lógica. Vai gastar dinheiro público para defender gente que não deveria ser perdoada, porque nem julgada foi ainda. E não, isso não significa que eu ache razoável alguém pegar 15 anos de cadeia porque depredou o patrimônio público. Já disse aqui que acho muitas das penas impostas pelo STF absolutamente desproporcionais, insanas até. Mas entre punir em excesso e perdoar em bloco, existe uma coisa que anda muito apagada aqui nestas bandas, chamada justiça.
Esta proposta de anistia não é sobre os pobres coitados que tiraram selfie na cadeira de Alexandre de Moraes. É sobre blindar os generais e os políticos que estavam do outro lado da câmera, apertando botão do caos. É sobre garantir que os verdadeiros idealizadores da tentativa de ruptura institucional saiam impunes, enquanto a gente discute se o cara que derrubou um gradil merece cinco ou quinze anos. Que debate é possível num país como esse?
E no fim, como sempre, sobra a histeria. A direita quer perdão amplo, geral e irrestrito. A esquerda sonha com pena de morte à cabelereira. E o país, no meio disso tudo, perde tempo, perde dinheiro e perde a chance de aprender com seus próprios erros.
Não é difícil entender, né? Mas talvez seja difícil demais aceitar o óbvio, sobretudo num lugar onde o exagero virou vício e a razão anda em desuso.