
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, foi o político a proferir as frases mais ácidas durante a abertura do seminário que debate, a partir desta quarta-feira (12), a alta abstenção eleitoral no Rio Grande do Sul.
Depois de destacar que há uma crise na democracia representativa no mundo inteiro – ponto frequentemente levantado em debates sobre abstenção e populismo –, Melo afirmou que há um enfraquecimento dos partidos políticos.
— Os partidos perderam a questão do coletivo. Se abre (se cria) um partido político hoje mais fácil do que uma microempresa. É pragmatismo — disse Melo, valorizando os seus 46 anos de MDB.
Na sequência, o prefeito de Porto Alegre atribuiu parte do problema ao impacto provocado pelas redes sociais.
— O senso coletivo é uma coisa muito complicada. Por um lado, a rede social nos trouxe grandes benefícios, mas nos trouxe grande estupidez também, fez milhões de pessoas serem mais estúpidas. E as pessoas também querem decisões às vezes impossíveis nas redes sociais. E se elas não concordam, a polarização é uma das razões de tamanha abstenção — acrescentou Melo.
Políticos analisam motivos para a abstenção
O seminário, realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral gaúcho (TRE-RS), é uma reação da Corte aos índices recordes de abstenção percebidos no Rio Grande do Sul e, especialmente, em Porto Alegre em 2024. No primeiro turno das eleições de 2024 na Capital, o número de abstenções (345.544) foi inclusive superior ao número de votos obtidos por Melo (345.420).
O anfitrião do evento, presidente do TRE-RS, desembargador Voltaire de Lima Moraes, pediu que os presentes refletissem sobre os motivos que levam, segundo ele, um Estado “politizado” e com “uma trajetória política invejável” a registrar índices recordes de abstenção. O evento tem transmissão pelo YouTube do TRE-RS e inscrição gratuita.
O vice-governador Gabriel Souza, representando o governo do Estado, buscou normalizar o desencanto com a política como parte de um processo que atinge também outros aspectos da vida social.
— Eu estou na política desde os meus 14 anos, sempre ouvi esse negócio da desilusão com a política porque a política desilude mesmo. A política desilude, não é uma ciência, não é uma atividade humana perfeita — disse o vice-governador.
Na sequência, tratando ainda sobre os motivos dessa desilusão, argumentou que o avanço das redes sociais faz com que a sociedade espere um tempo de resposta incompatível com o tempo da política – o que colocaria em cheque o modelo global de democracia liberal.
— Eu acho que a sociedade global tem uma situação nova, que são as redes sociais, e isso deixa as pessoas mais ansiosas, e isso faz com que as pessoas queiram respostas muito mais rápidas, certamente, do que muitas vezes o sistema montado na fonte da democracia liberal consegue entregar. É por isso que hoje a democracia liberal é questionada no mundo inteiro — afirmou Souza, acrescentando adiante:
— Nessa informação rápida, o populismo se sobressai porque consegue ter respostas simples para problemas complexos.
Outro a integrar a abertura do evento, o presidente da Assembleia Legislativa, Pepe Vargas (PT), disse que é preciso considerar, na análise dos índices de abstenção, os ataques promovidos por alguns grupos políticos contra o sistema eleitoral brasileiro.
— Como já foi dito, são múltiplos fatores (que geram abstenção), de ordem econômica, de ordem política, e não dá para a gente também não avaliar que, no último período, o próprio sistema eleitoral brasileiro foi colocado em questionamento. Felizmente, a maioria da população confia nele — disse Pepe.
O governador Eduardo Leite não compareceu ao evento, mas enviou um vídeo no qual destacou o possível impacto das fake news e da polarização para a abstenção eleitoral.
— São vários os fatores que contribuem. Para alguns, é o desencanto com a política. Para outros, a dificuldades de acesso ao local de votação. Há ainda quem esteja desmotivado pela polarização ou pela desinformação — afirmou Leite.
Presidente do Tribunal de Justiça alerta para risco a democracias
A destruição das democracias liberais também foi mencionada pelo presidente do Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS), desembargador Alberto Delgado Neto, para quem o processo está associado à polarização.
— Estes movimentos buscam a consolidação democrática em um momento em que a gente verifica focos de erosão nas democracias mundiais por causas diversas, mas especialmente em função de uma polarização acirrada que a gente assiste em termos mundiais — afirmou Delgado Neto.