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A decisão dos generais, especialmente os que comandavam regiões, e do comandante do Exército de se manterem "no seu papel constitucional" foi “determinante” para frustrar o golpe de Estado. A conclusão está na denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na terça-feira (18), contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas.
“É de ser observado que o próprio Exército foi vítima da conspirata. A sua participação no golpe foi objeto de constante procura e provocação por parte dos denunciados. Os oficiais generais que resistiram às instâncias dos sediciosos sofreram sistemática e insidiosa campanha pública de ataques pessoais, que foram dirigidos até mesmo a familiares”, detalha o documento.
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Na denúncia, que reúne depoimentos à Polícia Federal (PF), o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, e o tenente-brigadeiro Carlos Baptista Júnior, à época comandante da Aeronáutica, relataram pressões e disseram ter sido alvos de ataques pessoais em virtude da oposição ao golpe.
Freire Gomes relatou que a publicação da "Carta ao comandante do exército de oficiais superiores da ativa do exército brasileiro", em 28 de novembro de 2022, foi realizada para pressioná-lo a aderir ao golpe de Estado.
Declarou ainda que, após uma tentativa inicial de convencimento pacífica, resistiu e passou a receber ataques.
Em 14 de dezembro de 2022, Freire Gomes informou que a minuta de decreto apresentada em uma reunião no Ministério da Defesa continha previsões de intervenção na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação da "Comissão de Regularidade Eleitoral", o que coincidia com o planejamento do arquivo “Desenho Op Luneta.xlsx” um documento encontrado nas investigações que detalhava as etapas do golpe.
De acordo com a denúncia, essa comissão seria criada com a finalidade de apurar a "conformidade e legalidade do processo eleitoral", nas eleições de 2022.
Freire Gomes afirmou que recebeu ataques reiterados em suas mídias sociais e que foram recorrentes as manifestações a favor do golpe em frente a sua casa em Brasília.
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Na denúncia, Baptista Junior disse ter sido convocado pelo general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, à época ministro da Defesa, para uma reunião na qual foi apresentada uma nova versão do decreto golpista. Ele relatou ter afirmado ao ministro que não receberia o documento e que "a Aeronáutica não admitiria um golpe de Estado, retirando-se da sala".
O tenente-brigadeiro relatou que, a partir do dia 14 de dezembro de 2022, foi atacado reiteradas vezes em suas redes sociais com o rótulo de “melancia” e “traidor da pátria”, sendo obrigado a desativar seus perfis pessoais.
Os depoimentos de ambos apontam que, na reunião de 7 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, Almir Garnier Santos, então Comandante da Marinha, colocou-se à disposição de Jair Bolsonaro para seguir as ordens necessárias ao cumprimento do decreto.
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A denúncia em quatro pontos
1. Investigação
A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou um suposto esquema iniciado em 2021 para desestabilizar a ordem democrática no Brasil. O plano incluía ataques às urnas eletrônicas, tentativas de impedir eleitores de votar no segundo turno das eleições, pressão sobre comandantes militares para evitar a posse do presidente eleito, Lula, elaboração de minutas para atos contra a ordem constitucional, possibilidade de prisão de ministros do STF e até a morte de autoridades eleitas, com a anuência do ex-presidente Bolsonaro.
2. Denunciados
São 34 nomes relacionados no relatório da PGR remetido ao Supremo, entre eles, vários membros que atuavam no governo:
- Alexandre Rodrigues Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin e deputado federal;
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República
- Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa, ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro e general
3. Crimes
Os 34 denunciados são acusados de cometer os seguintes crimes:
- Organização criminosa armada
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- Golpe de Estado
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima
- Deterioração de patrimônio tombado
4. Próximos passos
Com a denúncia, o ministro relator no STF, Alexandre de Moraes, abrirá prazo de 15 dias para que os suspeitos enviem manifestação por escrito.
Depois disso, o processo será liberado para julgamento colegiado no STF. Se o STF aceitar a denúncia, os citados se tornarão réus e passarão a responder a uma ação penal na Corte. Não há prazo para que essa análise seja concluída. Os ministros decidirão pela absolvição ou condenação dos réus, além de definir as penas a serem cumpridas pelos condenados.
O que diz Jair Bolsonaro
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro manifestou "indignação e estarrecimento" com a denúncia apresentada pela PGR, que o acusa de envolvimento em um suposto plano de golpe de Estado. Veja a íntegra da nota:
"A defesa do Presidente Jair Bolsonaro recebe com estarrecimento e indignação a denúncia da Procuradoria-Geral da República, divulgada hoje pela mídia, por uma suposta participação num alegado golpe de Estado.
O Presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam.
A despeito dos quase dois anos de investigações — período em que foi alvo de exaustivas diligências investigatórias, amplamente suportadas por medidas cautelares de cunho invasivo, contemplando, inclusive, a custódia preventiva de apoiadores próximos —, nenhum elemento que conectasse minimamente o Presidente à narrativa construída na denúncia, foi encontrado.
Não há qualquer mensagem do Presidente da República que embase a acusação, apesar de uma verdadeira devassa que foi feita em seus telefones pessoais.
A inepta denúncia chega ao cúmulo de lhe atribuir participação em planos contraditórios entre si e baseada numa única delação premiada, diversas vezes alteradas, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa.
O Presidente Jair Bolsonaro confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá por sua precariedade, incoerência e ausência de fatos verídicos que a sustentem perante o Judiciário."
Defesa do Presidente Jair Bolsonaro."