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Em seu acordo de colaboração premiada, o tenente-coronel Mauro Cid — ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) — confirma que o então presidente do Brasil ordenou, em 2022, monitoramento dos passos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). E o motivo principal é que desconfiava que o magistrado estivesse se encontrando com o então vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão.
A suspeita é de que o ministro e o atual senador do Republicanos pelo Rio Grande do Sul estivessem acertando uma transição pacífica, pós-derrota do bolsonarismo nas urnas.
O que teria motivado a desconfiança
As revelações sobre a descrença de Bolsonaro em relação a seu vice são repetidas pelo menos sete vezes em dois volumes da colaboração firmada por Cid com a Polícia Federal em 2023. As primeiras manifestações sobre o episódio foram feitas a delegados federais que o interrogavam.
Em depoimento, indagado sobre o motivo da determinação de Bolsonaro para que fosse realizado o acompanhamento de Alexandre de Moraes após as eleições de 2022, Cid disse que uma das razões é que o então presidente havia recebido informação de que o general Mourão estaria se encontrando com Moraes em São Paulo. Que foi uma maneira de verificar se isso era verdadeiro ou não e, por isso, era necessário checar se os dois se encontravam na capital paulista nas mesmas datas.
"O monitoramento se estendeu de 15 de dezembro de 2022 até o final de ano", detalha Cid. A vigilância teria sido encomendada por Bolsonaro a Cid, que repassou a missão ao coronel do Exército Marcelo Câmara, fiel assessor de Bolsonaro. Ele era a pessoa a quem o presidente confiava para analisar pessoas para nomeação em cargos governamentais, acrescenta o delator.
Informado pela PF de que existiam cogitações entre bolsonaristas para assassinar Lula e Moraes, Cid diz desconhecer qualquer plano nesse sentido. "Eu não tinha noção que podia ser algo grave assim, de sequestro, assassinato ou, sei lá, até que ponto eles poderiam chegar".
A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o próprio Bolsonaro cogitou essas alternativas de eliminação.
Detalhes da vigilância
Em relato ao próprio Alexandre de Moraes, Cid detalha a vigilância sobre o ministro do STF:
"A informação era que o senhor iria se encontrar ou com o general Mourão, ou alguém do governo dele. E o presidente estava meio nervoso com isso aí, né… Então, ele queria saber. Essa foi a informação que eu recebi. E usei o coronel Câmara, pedi ao coronel para tentar colher essa informação" diz.

Moraes acha curiosa a informação e rebate Cid, durante o interrogatório, lembrando que a agenda de Mourão não previa estadia dele em São Paulo entre 15 e 31 de dezembro.
"Não era mais fácil consultar a agenda dele?", questiona Moraes.
Cid responde: "Ministro, creio que foi consultado. Mas o presidente recebia muita informação não confirmada, informes pelo celular, né… E quando recebia ficava nervoso, irritado e mandava verificar. A informação que ele recebeu é que o senhor encontraria o general Mourão ou outro ministro dele, o Tarcísio (de Freitas, atual governador de São Paulo), eu não sei. Às vezes o presidente já aloprava, às vezes ligava para o ministro. Às vezes ele mandava a gente verificar se realmente acontecia".
A relação entre Bolsonaro e Mourão, que já não era próxima, esfriou de vez em 2 de novembro de 2022. Dois dias após as eleições, o general (e vice-presidente) declarou, em entrevista: "Não há mais o que reclamar, perdemos o jogo… Não considero que houve fraude nas eleições".
As falas de Mourão vinham em rumo contrário à dos militantes bolsonaristas, que, naquele momento, bloqueavam estradas em todo o país e acampavam em frente a quartéis. Pedindo intervenção militar para impedir o eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de assumir o cargo.
A reportagem pediu posicionamento do general da reserva e senador Hamilton Mourão, que até agora não se manifestou a respeito.