Vídeo de ex-candidato à presidência em 2022 distorce as informações de um protocolo de intenções assinado entre a Ambipar, multinacional brasileira especializada em soluções ambientais, e o Ministério dos Povos Indígenas durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
O autor do conteúdo engana ao dizer que a pasta teria entregue 14% do território nacional, que seriam as terras indígenas demarcadas, para a empresa administrar.
Na realidade, o acordo visa fortalecer a gestão territorial indígena por meio de ações focadas no desenvolvimento sustentável e na prevenção de emergências climáticas. A iniciativa irá abranger quase 1 milhão de quilômetros quadrados de territórios indígenas, o que representa 14% do território nacional.
Conteúdo investigado
Vídeo gravado pelo monsenhor Kelmon, conhecido como Padre Kelmon, que foi candidato à Presidência da República em 2022 pelo PTB, atualmente filiado ao PL, no qual ele afirma que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) teria entregado a gestão de 14% do território nacional, onde estão terras indígenas demarcadas, a uma empresa.
A suposta concessão ao setor privado teria ocorrido durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Kelmon argumenta que a transferência da administração representaria uma ameaça à soberania nacional, pois mais de 1 milhão de quilômetros quadrados de territórios indígenas passariam a ser controlados por uma empresa privada.
Onde foi publicado
Instagram e Facebook.
Conclusão do Comprova
Não é verdade que a pasta comandada pela ministra Sonia Guajajara tenha transferido a gestão de 14% do território nacional para uma empresa. Padre Kelmon, autor do vídeo verificado, distorce o objetivo de um protocolo de intenções assinado pelo secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, com a Ambipar, uma multinacional brasileira especializada em soluções ambientais. O acordo, firmado durante o Fórum Econômico Mundial — realizado nos dias 20 e 24 deste mês, prevê iniciativas para fortalecer a gestão territorial indígena com ações voltadas ao desenvolvimento sustentável e à prevenção a emergências climáticas.
Em nota publicada no domingo (26), o ministério desmentiu alegações de que o protocolo assinado com a Ambipar seria uma transferência de gestão de terras indígenas para a iniciativa privada. Segundo a pasta, a parceria “estabelece um compromisso preliminar sem transferência de qualquer verba ou de responsabilidade do Poder Público”.
A assinatura faz parte da ampliação de diálogos que o órgão se propõe a promover com diferentes setores da sociedade civil voltados para a proteção dos direitos dos povos indígenas para além do poder público.
De acordo com uma postagem da multinacional sobre a parceria, a iniciativa vai beneficiar quase 1 milhão de quilômetros quadrados de terras indígenas. Segundo a Funai, as terras indígenas no Brasil ocupam cerca de 14% do território nacional, o equivalente a 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Para qualificar e fortalecer esses territórios, segundo o MPI, estão previstas as seguintes ações:
- Projetos de conservação e recuperação ambiental;
- Promoção da economia circular;
- Gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos;
- Suporte técnico para prevenção e respostas a eventos extremos, como incêndios e enchentes;
- Reflorestamento de áreas desmatadas e desenvolvimento de projetos de bioeconomia e serviços ecossistêmicos.
Ao contrário do que é dito na peça aqui verificada, o acordo com a Ambipar não ameaça a soberania do país, uma vez que a Constituição Federal prevê, no parágrafo 4º do artigo 231, que “as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”, ou seja, não podem ser vendidas e os direitos sobre elas não se perdem com o tempo.
O que é um protocolo de intenções?
Alvo de desinformação nas redes sociais, o protocolo de intenções consiste em um instrumento jurídico que estabelece vínculo cooperativo ou de parceria entre entes públicos com interesses recíprocos. Ao Comprova, o advogado mestre em Direito Administrativo Marcos Jorge explicou que o protocolo pode formalizar essa relação tanto entre entes públicos quanto entre entes públicos e particulares, a fim de realizar um propósito comum.
No caso da Ambipar, Jorge comentou que o protocolo serve para definir quais interesses o ministério e a empresa irão defender em conjunto.
— Esses interesses não são interesses da empresa. Sempre que o poder público estiver presente, o que tem que ser atendido é o interesse público — pontuou.
Segundo o advogado, o instrumento resguarda o interesse dos povos indígenas e não tem relação com a concessão de terra pública ou indígena para o setor privado.
— Nesse caso concreto, a gente não tem a concessão, pois não se transfere a terra para a Ambipar administrar, como em uma concessão se transferiria. Apenas define que em um milhão de quilômetros quadrados de territórios indígenas, a Ambipar irá fomentar e apoiar a gestão territorial indígena — disse Jorge.
O Comprova entrou em contato com o monsenhor Kelmon pelo Instagram, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 30 de janeiro, o vídeo alcançou 584 mil visualizações e obteve mais de 17 mil compartilhamentos no Instagram. No Facebook, o conteúdo recebeu mais de 52 mil curtidas e foi compartilhado mais de nove mil vezes.
Fontes que consultamos
Matérias publicadas pela imprensa sobre a parceria, um advogado mestre em direito administrativo, Constituição Federal e o site do Ministério dos Povos Indígenas.
Por que o Comprova investigou essa publicação
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Notícias sobre territórios indígenas costumam ser alvo de desinformação nas redes sociais. Em diversas situações, o Comprova desmentiu e contextualizou informações equivocadas envolvendo esses territórios, como no caso da Terra Indígena (TI) Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), onde uma ação de desintrusão retirou não indígenas que ocupavam a área irregularmente.
Também foi esclarecido que a remoção de agricultores das regiões de Raposa Serra do Sol (RR) e Suiá Missú (MT) não foi uma decisão de Lula. Além disso, foi desmentida a suposta relação entre o aumento do preço do arroz e a demarcação de terra indígena em Roraima, assim como a alegação de que terras indígenas em Rondônia teriam sido vendidas a uma empresa irlandesa.
O Aos Fatos concluiu que a alegação de que o governo federal teria transferido a gestão das terras indígenas a uma multinacional é falsa.