Pode mesmo ser que a intenção do presidente Michel Temer com a mudança no Ministério da Justiça seja a de sufocar as ações da Polícia Federal (PF) na Lava-Jato, que estão cada vez mais surpreendendo e atingindo aliados do governo – e o próprio comandante da nação. Mas isso não é bem assim.
A PF trabalha com autonomia e é regra que o conhecimento de operações seja compartimentado, sempre reduzido ao máximo, ou seja, não passa pela mesa do diretor-geral ou dos superintendentes regionais tudo que cada delegado está fazendo no dia a dia. É um sistema em que cada um só toma conhecimento do que lhe é necessário para desempenhar as suas funções técnicas dentro de uma determinada ação.
Leia mais
Existe "risco real" de interferência na Polícia Federal, avalia presidente de associação de delegados
Crítico da Lava-Jato, novo ministro da Justiça vai "avaliar" mudanças na Polícia Federal
Permanência de Serraglio no ministério mantém foro privilegiado para Rocha Loures
No Rio Grande do Sul, em 2007, ocorreu um bom exemplo do nível de sigilo adotado pela PF: a Operação Rodin, sob o comando do delegado Ildo Gasparetto. Ao ser surpreendida pela investigação - e até prisão - de vários aliados, a então governadora Yeda Crusius (PSDB) cobrou por não ter sido alertada pelo seu secretário de Segurança, o também delegado federal Francisco Mallmann. Teve que aceitar a explicação de que Mallmann não recebia informações privilegiadas de sua corporação.
Mas há um exemplo bem mais recente, e forte: o trabalho realizado a partir da delação dos sócios da JBS ficou a cargo de um grupo restrito. Somente dois delegados e quatro agentes conduziam a apuração e as ações controladas, em que malas com dinheiro foram chipadas e tiveram suas entregas monitoradas. Apenas os delegados tinham conhecimento do todo que aquele trabalho envolvia. Desta vez, havia até determinação expressa do Supremo Tribunal Federal para manutenção de sigilo.
O diretor-geral da PF, o gaúcho Leandro Daiello, não sabia de nada que estava sendo feito, muito menos, que envolveria diretamente o presidente Temer. O comum são as chefias saberem das operações na véspera, quando já estão expedidos os mandados judiciais. Será que planejam controlar também o Judiciário? Outra forma de tentativa de controle pode vir pela restrição de recursos, de condições de trabalho. Mas, a essas altura, a população brasileira já está bem atenta para estratégias nebulosas desse tipo, e não se calará.