Um episódio de forte complexidade nos campos ético e jurídico se deu neste domingo: o presidente Michel Temer recebeu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, para jantar no Palácio do Jaburu. O encontro não constava na agenda oficial da Presidência, o que, de acordo com a assessoria de imprensa do Planalto, é algo normal, porque a visita não caracterizaria um compromisso público – e apenas compromissos públicos são agendados.
O convite para jantar teria partido de Temer, e os assuntos foram a morte do ministro do STF Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava-Jato, e o quadro político. A assessoria de Gilmar definiu a conversa como "de rotina". O constitucionalista Lenio Streck, professor da Unisinos, não vê, em tese, problemas de que "ministros se reúnam com presidentes da República". No caso específico, porém, identifica um porém:
– Em uma linha, poderíamos dizer que são encontros inapropriados.
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E qual a especificidade? Como presidente do TSE, Gilmar define a pauta de julgamento e será um dos sete integrantes dessa corte que votarão no processo que pode levar à cassação da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Temer (PMDB), reeleita em 2014. Mais: Gilmar, que costuma dizer ter "relações de companheirismo e diálogo" com Temer há mais de 30 anos, é favorável a que o futuro relator da Lava-Jato, em substituição a Teori, seja o ministro a ser nomeado pelo presidente em 30 dias.
A alegação é de que a distribuição de uma relatoria entre os ministros que já compõem a Corte deveria se restringir a processos de urgência, e o caso da Lava-Jato não se enquadraria nesse grupo. Essa opinião, porém, também se presta a polêmicas. Teori estava na iminência de homologar os depoimentos de delação premiada de 77 executivos da Odebrecht, nos quais constam citações a políticos que teriam recebido doações de campanha com suspeitas de origem ilícita, entre eles o próprio Temer.
Colega de Gilmar no STF, o ministro Marco Aurélio Mello, em entrevista para o programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, defendeu o encontro no Palácio do Jaburu:
– Não prejudica em nada, porque, em primeiro lugar, não se atua de forma vinculada a este ou aquele relacionamento. Atua-se, na magistratura, com absoluta equidistância.
O relacionamento entre Gilmar e Temer remete também a outro episódio recente. No último dia 9, o ministro viajou a Portugal no avião da Presidência da República, acompanhado do presidente e de ministros do governo. Gilmar já estava de férias em Portugal, mas teve de voltar ao Brasil para resolver problemas pessoais e retornou ao país europeu no avião reservado ao presidente, que viajava para o funeral do ex-primeiro-ministro português Mário Soares. O ministro do STF não foi à cerimônia e permaneceu em Portugal. Ao jornal O Globo, Gilmar disse não ver conflito de interesses e que se tratava de "assunto menor".
– Não vou nem falar das relações que mantenho com o presidente Temer, que são as mesmas que mantive, por exemplo, com o presidente Lula. No caso de Lula, jantei inúmeras vezes com ele no Alvorada e as nossas mulheres inclusive sempre mantiveram relacionamento de amizade – disse ao Globo.
A respeito dessa viagem, o constitucionalista Diego Werneck Arguelhes, professor da Fundação Getulio Vargas, diz que "não existe vedação expressa a que o juiz (ou ministro do STF) tenha contato com outras autoridades, mas há um dever expresso na Loman (Lei Orgânica da Magistratura) de o juiz manter conduta irrepreensível na vida pública e particular e cumprir sua função com independência, serenidade e exatidão".