Do mesmo partido do presidente Michel Temer (PMDB), o deputado federal José Fogaça pode ser considerado parlamentar da base, pero no mucho. Ele se intitula apoiador do governo, mas tem se mostrado uma voz divergente no PMDB. Votou contra a Reforma Trabalhista e é também contrário à atual proposta de Reforma da Previdência.
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Nesta entrevista, Fogaça, que já foi deputado estadual e federal na década de 1980 e senador em duas oportunidades, além de prefeito de Porto Alegre, explica os motivos de sua contrariedade às reformas, avalia o governo e fala das diferenças em ser deputado agora. Confira:
Pioneiro: O senhor já foi parlamentar em outras épocas. Tem diferença agora?
José Fogaça: Evidente que muda muito. Não só mudam os padrões de comportamento de uma geração para outra, mas depois de mais de 20 anos de democracia, evidentemente que todos aqueles valores da luta pela democracia passam a ter menos relevância. Não que a democracia não seja importante, mas a gente percebe que não é mais uma causa, deixou de ser um tema prioritário. E obviamente os temas agora de ordem econômica passam a ser os pontos mais importantes. No fundo, no fundo, o parlamento é como um poliedro, como uma figura geométrica de milhares de lados. Cada um olha de um lado, cada um olha de um jeito, de modo que o parlamento é, por natureza, conflitivo. Como todos enxergam o parlamento pelo lado que não lhes agrada, o parlamento passa a ter também um tratamento bastante difícil junto a opinião pública. Neste momento, de conflitos em proporções que talvez nunca houve nem mesmo no tempo da ditadura, isso aumenta. É um momento de crise muito grande e isso também é diferente, havia muito menos polaridade. Havia de um lado ditadura, de outro os que eram contra a ditadura e tentavam restaurar a democracia, e isso foi o que canalizou grande parte da luta daquela geração. O que tem hoje é uma multipolaridade, várias cabeças pensantes, várias tendências, 28 partidos, 28 lideranças que puxam para lados diferentes.
Diante desta crise, qual a saída para o país?
A saída é aquela que está sendo levada a cabo. São as apurações, as investigações, os processos dentro do estado de direito, com direito à defesa e ao contraditório, com respeito à lei e à Constituição, o funcionamento das instituições. Nenhuma sociedade resolve os seus problemas num piscar de olhos, num estalar de dedos. Elas resolvem ao longo do tempo, consolidando novos padrões, novos comportamentos, uma nova visão. Mas essa mudança não é tão rápida como as pessoas gostariam, nem tão imediata. Leva algum tempo, mas acho que estamos no caminho certo que é o de trazer essas coisas à tona, investigar, apurar, punir. Isso é solidez das instituições, ela que vai nos garantir, ao longo do tempo, que tenhamos um país melhor para as próximas gerações. O fato de as coisas aparecerem não significa que este país é pior do que em outros momentos. Justamente pelo fato de termos uma democracia muito sólida, com instituições que funcionam muito bem, é que essas coisas aparecem. Em períodos de maior repressão essas coisas não aparecem. Não é que não tenham existido, simplesmente não apareciam.
O presidente Michel Temer está correto em permanecer no cargo ou deveria renunciar?
É uma questão de foro íntimo do presidente, ele que sabe qual o caminho melhor. Ele tem consciência e responsabilidade do momento que está vivendo. Como deputado, o que tenho que fazer é, neste momento, tentar acompanhar, entender o que está acontecendo para ter uma posição correta quando for necessário. Por enquanto, ainda estou fazendo uma avaliação do quadro e das questões que estão sendo apresentadas.
Como o senhor avalia o governo?
É um governo que tem dificuldade muito grande pelo fato de assumir com uma oposição muito dura e rigorosa. Participei de dois momentos de impeachment no Brasil. No Governo Collor, eu estava no Senado e acompanhei todo o processo de recomposição do país no governo Itamar Franco. Itamar não teve oposição. A oposição ficou, no mínimo, reservada e calada. Não participava do governo, não apoiava, não impôs nenhum tipo de resistência, objeção ou rejeição ao governo. Ele pode tomar medidas de grande alcance, como o Plano Real. Um governo com a força, o consenso, o apoio amplo que tinha o Governo Itamar, era possível fazer reformas de grande profundidade. O Governo Temer não tem essas condições, porque embora tenha apoio no Congresso, a estrutura política de apoio é muito pulverizada. Por outro lado, o partido que governou o país nos últimos 13 anos, o PT, atribui ao Temer uma participação ativa na queda da presidente Dilma Rousseff e, a partir deste conceito, estabelece uma linha de oposição muito frontal, dura e sem tréguas. Neste quadro, é muito difícil para um governo levar adiante reformas como o Michel Temer pretendeu e pretende. Não dá para comparar o Governo Temer com o do Itamar, por causa da grande oposição que ele tem e da fragilidade diante da opinião pública. O que ele poderia fazer é um incógnita: fugir da raia, se afastar, renunciar ou assumir os problemas, enfrentar as questões e levar adiante? É uma questão muito complicada e que só em nível do foro pessoal e íntimo ele pode resolver.
O senhor acredita que a Reforma Trabalhista passa no Senado?
Acho que passará, sim, porque já há uma maioria consolidada. Eu votei contra na Câmara, não por causa dos temas que são mais divulgados pela imprensa. As mudanças modernizantes eu era e sou a favor. Não concordo com outros pontos que nunca foram discutidos nem trazidos à tona.
O que, por exemplo?
A Reforma Trabalhista acaba com o piso regional do salário mínimo. Vamos passar a ter um salário mínimo unificado no país, com o ponto de referência sempre sendo a região onde o salário é mais baixo. Obviamente que não posso pagar em Estados mais desenvolvidos o mesmo salário mínimo que se paga nos menos desenvolvidos. Acho muito ruim. Mas isso não se discutiu. Um outro ponto é relativo à demissão coletiva. Se uma empresa demitir 300, 400 empregados, poderá fazê-lo da mesma forma como se fosse uma demissão individual. Basta atender às exigências da CLT para demissão individual e uma empresa pode demitir 1 mil, 2 mil empregados sem que haja um acordo na Justiça do Trabalho, sem que haja uma interferência para evitar. Como não concordei com esses vários pontos, acabei votando contra. A Reforma Trabalhista foi um mosaico de diferentes questões múltiplas que acabaram ficando, de certa forma, subsumidas dentro de uma reforma que chamou mais atenção para outras questões, como o trabalho temporário e o fim do imposto sindical. O fato é que essas reformas têm apoio de uma parcela importante da sociedade e, de certa maneira, servem para induzir a economia para uma retomada de investimentos. Este é o momento de estimular quem vai fazer nascer o emprego, fazer nascer o ato econômico, que é o empresário. É preciso dar ao empresário um alento, um estímulo e, de certa forma, uma confiança nas regras do jogo, segurança jurídica.
Quanto à Reforma da Previdência, qual sua posição?
Da mesma forma, é contrária neste momento, porque há alguns pontos que não foram totalmente atendidos nas diversas propostas e reivindicações que eu fiz. Alguns pontos foram, outros não. Por exemplo, havia uma proposta inicial de que poderia haver pensões menores do que o salário mínimo. Isso não é aceitável, não pode haver um benefício ou uma renda dentro da Previdência que seja inferior ao salário mínimo. Mas isso foi alterado. Um ponto que foi alterado também é a transição da idade no plano do regime geral da Previdência, mas a transição da idade para o setor público não foi feita no mesmo molde, na mesma proporção. Ainda há algumas pendências que podem ser dirimidas até a votação.
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O senhor sofre cobranças do PMDB por se colocar contra as reformas?
No bojo do partido há uma posição de apoio ao governo e eu me considero, como membro do PMDB, sendo do governo. Sou um apoiador do governo. Obviamente que tem que ter um processo crítico, e acho que isso é inafastável. O deputado não pode votar de olhos fechados, não pode votar cegamente, como se fosse levado de roldão. Tem que haver um posicionamento crítico e uma coerência com toda a história parlamentar, o posicionamento que tive ao longo da votação da Constituinte e de tudo o que participei. Preciso ter coerência, e tenho e procuro ter. Por isso, muitas vezes divirjo do governo, mas não deixo de estar no bojo de um apoiamento amplo. É claro que, dentro deste clima, muitas vezes é difícil divergir. Mas quero dizer o seguinte, o governo nunca cobrou nem manifestou nada a respeito das minhas posições, sempre respeitou dentro do processo crítico, analítico que a gente vai fazendo.
O senhor é conhecido por grandes sucessos da música popular brasileira. Continua compondo?
Continuo compondo, mas é que hoje nós temos outra realidade no mundo da produção musical. A forma como se divulga, como se produz, como se transforma um produto cultural em alguma coisa que entre no mercado cultural, hoje é muito difícil. É bem diferente de como era há menos de 15, 10 anos. Mas continuamos a fazer alguma coisa de vez em quando. Obviamente que esse período de intensidade política também afasta muito a gente dessa atividade cultural.