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Fevereiro é o mês que marca a conscientização de uma doença considerada invisível: a fibromialgia. Com sintomas que vão de dores intensas em todas as partes do corpo, até disfunções gastrointestinais, enxaquecas, depressão e ansiedade, a fibromialgia é capaz de transformar a vida de quem é acometido por ela.
Os sintomas são diferentes em cada pessoa e podem ser influenciados, diretamente, por traumas psicológicos da infância e juventude ou por doenças como a depressão. É uma doença crônica, caracterizada por uma alteração do sistema nervoso central, onde o cérebro passa a perceber estímulos do corpo na forma de dor.
As dores passam a acompanhar o dia a dia dos pacientes, que precisam aprender a conviver com elas. É esse o caso de Berenice Carbajal Nunes, que trabalhava como DJ e, há cinco anos, recebeu o diagnóstico de fibromialgia. Desde então, a vida mudou completamente: precisou abandonar o trabalho, sente dores o tempo todo e, por um tempo, antes de aprender a lidar com os sintomas, se afastou da família:
— Eu já não conseguia mais erguer uma caixa de som, não conseguia mover os dedos na mesa e foi ficando bem difícil. Na rua é complicado. Tu não tem um corte, um machucado e não está escrito na tua testa que tu tem a doença. Eu vivo com dor 24 horas por dia. Já tirei um dente porque eu achava que tinha dor de dente e era da própria fibromialgia. Se eu estiver feliz, me dói, se eu estiver triste, me dói também — afirma.
Em Caxias do Sul, as pessoas com o diagnóstico da doença são consideradas PCDs e podem usar filas prioritárias em serviços como bancos, supermercados e unidades básicas de saúde.
— Cada dia é um aprendizado. A fibromialgia é uma dor constante. É uma dor que me queima a pele e só quem sente para poder explicar. No nosso grupo Caxias Abraça a Fibro (grupo de apoio a cerca de 100 mulheres diagnosticadas em Caxias) tem várias que tem sintomas iguais e só a gente consegue se entender — afirma Berenice.
Doença não tem cura, mas tratamento multidisciplinar pode ajudar
No Brasil, estima-se que 3,2 milhões de pessoas já tenham o diagnóstico da fibromialgia. No entanto, a médica fisiatra Grasiele Correa aponta que existem muitos casos subnotificados de pacientes com os sintomas da doença.
— É uma doença prevalente em mulheres, porém afeta os homens também. O Rio Grande do Sul está entre os estados de maior prevalência. Esses dados podem estar subestimados em virtude da baixa capacitação profissional para o diagnóstico, pois, infelizmente, são poucos os especialistas médicos que se dedicam ao estudo dela. Essa patologia é caracterizada por dor, mas também por distúrbios psiquiátricos, transtornos do sono e tem relação direta com doenças metabólicas — explica a médica.
De acordo com Grasiele, a fibromialgia pode ser tratada como um espectro, porque cada vez mais a variabilidade de pessoas que são diagnosticadas com a doença aumenta.
— Ela é muito estigmatizada. A pessoa chega num profissional da área da saúde e fala que tem dor em várias partes do corpo. Isso pode ser, sim, fibromialgia. Mas que tipo de fibromialgia é? Porque as classificações não são claras na literatura. Antigamente, o critério diagnóstico era por pontos de dor, ou não dormir bem, ou depressão. Hoje a gente já sabe que os critérios mudaram e leva em consideração a personalização daquela demanda do paciente — afirma.
Atenção aos sintomas
Os sintomas de dor da fibromialgia normalmente acontecem em variados lugares do corpo. De acordo com a médica fisiatra, em geral, os pacientes têm queixas de dores articulares e musculares.
— O padrão dessa dor pode ser muito específico, como por exemplo, uma dor em aperto ou uma dor quente. As pacientes relatam muito como se estivessem estraçalhadas, quebradas e, muitas vezes, amassadas — relata Grasiele.
Também são comuns dores de cabeça, fadiga, alterações de humor e de sono. Normalmente, as dores ocorrem juntas.
— A fibromialgia cada vez mais é vista como uma doença disfuncional. A gente tem que ficar muito atento para a intensidade da dor — explica.
Doença pode se desenvolver na fase adulta
De acordo com Grasiele, existem muitas vertentes que justificam a fibromialgia, que pode ser classificada como uma doença cerebral.
— Existem crianças com fibromialgia. É muito raro. Como especialista em dor, eu já atendi algumas. São mais adultos e mais mulheres, entre 30 e 55 anos. Algumas coisas relacionadas ao estilo de vida podem manifestá-la. Por exemplo, existem pacientes que passaram até os 40 anos com o gene e não tinham dor. A partir dos 40, passaram a ter fibromialgia — destaca a médica.
A explicação é que a doença pode ser desencadeada através de traumas psicológicos ou doenças infectocontagiosas, como a covid-19 ou a dengue.
— Normalmente os fatores desencadeantes vão estar entre traumas físicos, mentais e emocionais e doenças que modifiquem o metabolismo desse paciente — pontua.
Tratamento paliativo
Como a fibromialgia não tem cura, o tratamento é feito para melhorar a qualidade de vida dos portadores da doença. De acordo com Grasiele, esse tratamento envolve alimentação saudável, exercícios físicos leves, terapia e medicação adequada.
— Mais recentemente no Brasil, nós temos o uso da cannabis medicinal que tem trazido esperança para casos refratários. Os fitocannabinoides têm trazido alívio e são cada vez mais estudados, aceitos e consolidados. Já são liberados no Brasil, vendidos em farmácia e o médico prescritor faz o monitoramento — destaca.
"Se a gente se entregar, a doença nos derruba"
A varredora Andreia Garcez Silveira foi diagnosticada com fibromialgia em 2018. Na época, começou a sentir a produtividade no trabalho reduzir, associada à depressão.
— Eu sempre fui uma pessoa muito ativa. Eu comecei a notar que eu tive bastante dificuldade pra fazer as minhas atividades. Começou a generalizar a dor. Aí fui procurar médicos e diziam que era a coluna, outros diziam que era ombro. Até que um dia eu achei um ortopedista que suspeitou da fibromialgia — conta.
Ela, que nunca tinha ouvido falar da doença, consultou com um neurologista, fez exames e teve o diagnóstico confirmado. Apesar de continuar trabalhando como varredora desde então, percebe que o rendimento mudou:
— Eu trabalho. Não é com aquele ritmo que eu tinha, mas eu tenho bastante amparo, até na empresa. Eles viram o meu processo, porque como eu sempre fui uma pessoa ativa, viram a mudança — relembra.
Para ajudar a conviver melhor com o diagnóstico e se sentir ouvida por pessoas que entendem o que ela sente, Andreia começou a participar do grupo Caxias Abraça a Fibro.
— Em alguns momentos ajuda. Se a gente se entregar, a doença nos derruba, porque ela te incapacita de uma maneira que chega ao ponto de você ir pra cama e não levantar mais. É uma angústia diária, tu não sabe como vai acordar ou como é que tu vai estar daqui a 10 minutos. É complicado de marcar, por exemplo, um café ou uma janta... As coisas que eu gostava de participar, comecei a me afastar — diz Andreia.
Grupo para dar voz
O grupo Caxias Abraça a Fibro foi fundado por Rosangela Gering em 2023. Ela, que tem o diagnóstico da doença há 10 anos, sentiu a necessidade de criá-lo para dar voz e visibilidade às pessoas que passam pelo mesmo que ela.
— A doença é muito subestimada, tanto no núcleo familiar como social e da própria rede de saúde — pontua Rosangela.
Por meio do grupo, conseguiram pleitear uma carteirinha que identifica as pessoas que são diagnosticadas com a fibromialgia para que possam utilizar filas preferenciais, por exemplo.
Quem quiser integrar o grupo Caxias Abraça a Fibro pode entrar em contato pelo WhatsApp (54) 9 9242-2356.