Vila Flores, na Serra, é oficialmente um município bilíngue. O prefeito Evandro Antônio Brandalise sancionou a lei que torna o Talian como língua co-oficial da cidade.
A verdade é que a lei, assinada no dia 5 de julho, só torna oficial e põe em um documento algo que já está no DNA do município de pouco mais de 3,5 mil habitantes. A língua é cultivada e passada de geração em geração desde a chegada dos imigrantes italianos à região, que até 1988 pertencia a Veranópolis.
— Como o município é pequeno, se preservou bastante o costume de se falar Talian nas famílias, nas casas. O idioma ainda é muito genuíno por aqui — ressalta a secretária de Turismo e Cultura de Vila Flores, Makielen Zandoná Ceccato.
Como quinta geração de uma família de imigrantes italianos, Makielen é a prova de que, por vezes, o Talian acaba sendo o meio de comunicação mais utilizado na casa de algumas famílias de Vila Flores.
— O Talian se mistura com o português e vira uma comunicação automática — comenta.
Com a sanção da lei, a intenção é que o idioma se perpetue entre as próximas gerações, mantendo vivo o legado deixado pelos antepassados que povoaram a região. Além disso, a intenção é buscar recursos financeiros e expandir projetos culturais que já existem hoje:
— Temos a preocupação de levar adiante, por exemplo, o filó de Vila Flores, que é uma festa temática, que hoje virou um produto turístico e atrai pessoas do mundo inteiro. Também temos o Coral Municipal que canta músicas em Talian, além de outros eventos que acontecem no interior — aponta a secretária.
A diretora de Cultura de Vila Flores, Andressa Conte, lembra que a ideia de tornar o Talian como língua co-oficial da cidade ocorreu há pouco tempo. Em maio, a cidade participou do projeto Viva o Talian, do humorista e ator Edgar Maróstica. O evento, online e ao vivo, teve duração de 90 minutos e contou com a participação de pessoas que preservam o idioma no município. Depois, o projeto de lei foi idealizado pelo presidente da Câmara de Vereadores, Luiz Felipe Tramontina Borsoi.
— Vila Flores se torna um município bilíngue porque a gente faz uso do português, que é a língua oficial da União, e agora temos co-oficializado um segundo idioma, que é o Talian, nossa língua de origem, dos nossos imigrantes - acrescenta Andressa.
" Temos que ter orgulho e ser autênticos "
O Talian é uma língua que se mantém viva muito graças aos esforços de pessoas que valorizam a cultura dos seus antepassados. É o caso do comunicador e empresário Darcilo João Canevese, 59 anos. Morador de Vila Flores, ele mantém, há 36 anos, um programa dominical em uma rádio de Veranópolis. Em duas horas de programação, Darcilo e o colega Amarildo Antônio Benetti, 58, mesclam assuntos culturais e históricos com música. Tudo, garante ele, comunicado à audiência exclusivamente em Talian.
— A frase não é minha, mas tem um autor que diz que a melhor coisa que podemos fazer pelos nossos antepassados é cultivar o Talian, e é essa homenagem que faço todos os domingos — reforça Darcilo.
Embora hoje o idioma esteja valorizado e garantido em uma legislação própria, nem sempre foi assim, como conta Darcilo. Ele lembra que falar Talian, por vezes, era motivo de repreensão e até vergonha principalmente nas visitas "à cidade". Na casa dele, o idioma era cultivado pela nonna Franchesca, que fazia questão de se comunicar em Talian nas visitas semanais à família.
— Ela contava histórias em Talian, uma coisa lúdica, que depois, com o tempo, a gente começou a ver que ela inventava para nos entreter. E fomos tomando gosto pelo Talian, ficou uma coisa bem natural para nós. Só que quando a gente ia para a cidade, comprar uma roupa ou ia no banco, a primeira coisa que eles nos diziam era 'por favor, não falem em italiano, falem em português'. Depois que eu comecei a fazer o programa na rádio, a gente viu que cada povo tem a sua cultura e nós temos que ter orgulho e ser autênticos. Temos que ser o que nós somos — defende o comunicador que apresenta o programa dominical Svegliarse nó Desmentegarse (Acordar para não esquecer, em português).
Serafina Corrêa, a Capital Nacional do Talian, tem lei desde 2009
Vila Flores não é a primeira cidade da Serra a inserir o Talian como língua co-oficial. Em Serafina Corrêa, o assunto virou lei municipal em novembro de 2009. Entre os objetivos, segundo a legislação, está a valorização da herança linguística e cultural e incentivo ao conhecimento e a fala do Talian, em especial nas famílias e com as novas gerações.
Quatro anos depois, em 2013, outro decreto dispôs e sobre a utilização preferencial da língua co-oficial, na semana do aniversário do município. Já em 2015, a cidade, que tem até uma espécie de réplica do Coliseu de Roma como principal ponto turístico, recebeu o título de Capital Nacional do Talian.