O prefeito Adiló Didomenico sancionará no próximo dia 24 de agosto a lei sobre a Guarda Subsidiada em Caxias do Sul. A regulamentação traz pelo menos duas mudanças importantes: assegura que o programa é uma política pública municipal, ou seja, que terá continuidade, independente das gestões futuras; e permite que famílias que tenham a guarda de grupo de irmãos, por exemplo, possam receber mais do que um benefício. Atualmente, 60 famílias recebem o subsídio na cidade e a intenção é ampliar para 70.
A Guarda Subsidiada é uma realidade em Caxias desde 2005. Até 2020, 190 crianças foram atendidas. Mas, até hoje, o programa não havia sido regulamentado. Ela funciona como uma ajuda de custos para as crianças ou adolescentes afastados dos pais biológicos por determinação da Justiça, de forma definitiva ou provisória, e que encontraram em um parente próximo, como tios ou avós, a possibilidade de manter vínculo com a família de origem, chamada de extensa ou ampliada.
É uma forma de garantir que a condição financeira não será um impeditivo para que parentes fiquem com a criança, como prevê o artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para além disso, a Guarda Subsidiada evita a institucionalização de crianças e adolescentes, o que, por si só, justifica o investimento. Caxias tem 115 acolhidos em sasas-lares e 72 em abrigos, no total de 187, sete a mais do que a capacidade, que é para 180.
E mais do que isso, representa economia ao município, já que o custo para manter uma criança em uma casa-lar é de R$ 4,8 mil por mês e em média R$ 10 mil mensais em um abrigo. Enquanto isso, o valor repassado no programa é de um salário mínimo nacional (R$ 1,1 mil).
O dinheiro é entregue aos tutores legais e deve ser empregado para a manutenção da criança, como alimentação, roupas e outros produtos, mas também pode ser usado para assegurar condições dignas de moradia, como fornecimento de luz e água. Os casos são acompanhados e monitorados pelas equipes da rede de assistência do município.
— A Guarda Subsidiada vem depois da decisão (da Justiça). A ideia é garantir que essa criança mantenha os vínculos da sua rede e ajudar essa família a manter os cuidados. Tem benefícios que não são mensuráveis. Por melhor que sejam as casas de acolhimento institucional, elas geram traumas. É uma grande conquista para crianças e adolescentes atendidos pelas equipes de referência nos serviços da Fundação (FAS), o que garante também o acompanhamento e monitoramento dessas famílias pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) — declarou Katiane Silveira, presidente da Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias.
O psicólogo Gustavo Valente Ruivo, do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) Centro acompanha famílias que têm a Guarda Subsidiada na região. Ele explica que não se trata de um benefício pago a alguém para que cuide de outra pessoa. É uma renda de garantia para a qualidade de vida do núcleo familiar. O monitoramento é feito por meio de um plano de trabalho, que identifica as vulnerabilidades da família, os recursos e as outras áreas envolvidas nas demandas, como previdência, trabalho ou habitação. O Cras faz a mediação para tentar que a família se estabeleça. O período é de 12 meses, no qual são feitas avaliações periódicas para verificar avanços e necessidades. Pode haver renovação por igual período.
— Eventualmente, a família não está preparada economicamente para receber mais uma pessoa. Às vezes, até, observando esse período de pandemia, está sem nenhuma capacidade financeira. Isso seria um impeditivo, não poder receber ou precarizar muito a condição da família. É um benefício que cumpre uma tarefa muito importante: mantém os vínculos, permite o convívio com a própria família e a relação com os parentes. É um programa que precisa ser fortalecido e ampliado. Tem uma intervenção preventiva extraordinária do meu ponto de vista — defende o profissional.
"Ele é o nosso xodó"
Um mecânico de 50 anos e a mulher, de 59, têm a guarda do neto de dois anos. Eles recebem o subsídio há menos de um ano. O avô conta que o menino está com eles desde que nasceu. Ele mantinha a família com o trabalho como autônomo, mas a pandemia fez diminuir o serviço e eles precisaram de ajuda. A mulher tem problema de coluna e não trabalha. Ele chegou a receber algumas parcelas do auxílio emergencial, mas depois o repasse foi suspenso.
— É uma diferença muito boa (o benefício). Compramos as coisas para ele, leite, comida, roupa, calçados... É uma mão na roda. E com essa pandemia, ajuda bastante, porque, antes era eu para tudo. Esse dinheiro é uma garantia, porque eu sou autônomo e nunca tenho certeza do valor que vai entrar no mês — relata o avô.
O mecânico nem considera a possibilidade de ficar sem o neto:
— Se não viesse para nós, ele iria para adoção. Mas ele é tudo para nós. Era só eu e minha esposa, nossos filhos estão adultos, e ele é nosso xodó.
Quem pode ter o benefício
:: Famílias estendidas ou ampliadas (parentes) que já tenham a guarda definitiva ou provisória, por meio de decisão da Justiça, de crianças ou adolescentes (uma ou mais).
:: Padrinhos ou mesmo vizinhos que tenham vínculo afetivo comprovado com a criança ou adolescente também podem participar desde que tenham a guarda judicial.
:: A demanda não é espontânea, via de regra, são pessoas que já são atendidas pela rede de assistência do município.
:: Não existe um critério de renda determinado. Os casos são avaliados pela equipe técnica da FAS.
:: A participação dos guardiões em outros programas de transferência de renda municipal, estadual ou federal não inviabiliza a participação da família no programa.
Onde deve ser aplicado o benefício
:: O valor é de um salário mínimo nacional (atualmente, R$ 1,1 mil), proveniente do orçamento da FAS e do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente. Famílias que acolherem mais de uma criança ou adolescente receberão mais meio salário-mínimo a partir da segunda criança ou adolescente acolhido.
:: O dinheiro deve ser usado prioritariamente para manter a criança ou adolescente. Isso significa que pode ser investido em alimentação, roupas e outros produtos, mas também em despesas como água, luz e aluguel que garantam a qualidade de vida da pessoa. Essa avaliação é feita caso a caso pela equipe da rede de assistência social do município, por meio de acompanhamento periódico.
:: A família integra o programa por um ano, renovável por igual período, mediante avaliação técnica.
Artigo 23 do ECA:
:: A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder poder familiar.
§ 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)