O Altos de Galópolis é mais um caso antigo de loteamento irregular em Caxias. São mais de 400 famílias e a situação é complicada. É que o loteamento foi erguido em uma área pertencente ao Estado e na zona rural do município. Inicialmente, o local deveria servir apenas para reassentar famílias de agricultores de uma área desapropriada pelo Estado em Ibiraiaras, no norte do Rio Grande do Sul, o que manteria a característica rural do lugar.
Mas, o primeiro assentado comercializou parte das terras. O comprador tornou a vender frações menores e assim, sucessivamente, até chegar aos donos atuais. Outra parte foi ocupada. Mesmo com proibição de venda decretada pela Justiça, ainda hoje, há comércio de terrenos no local. Na última segunda-feira, a reportagem esteve nos Altos de Galópolis e constatou o fato. Uma placa em um terreno baldio anunciava a venda.
Com água de poço artesiano, fossa séptica e rede clandestina de luz em casa, não fosse pela tão sonhada escritura, Dona Rosa Ivone Bellini, 61 anos, nem teria lá tanto interesse na tal regularização fundiária. Para ela, a vida que leva com o marido, 63, e o filho, 32, há seis anos na área de três mil metros quadrados a 13 quilômetros do Centro é bem melhor do que onde morava numa região violenta do bairro Desvio Rizzo.
– Isso aqui é 100%. Morávamos no Rizzo (Desvio Rizzo). Trocamos por aqui, e estamos no paraíso. Temos galinhas, porcos... O açude está minado de peixes – endossou a aposentada.
Na estrada de acesso ao loteamento, sinais de que a infraestrutura está chegando. Parte da via já foi alargada e postes de concreto foram dispostos pela concessionária de energia elétrica.
O município foi incluído recentemente pelo Tribunal de Justiça como réu na ação civil pública movida pelo Ministério Público e à qual respondem o Estado e cinco loteadores. Segundo o procurador-geral do município, Felipe Barreto Dal Piaz, isso ocorreu porque o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) iniciou a construção de uma rede de água no local, mesmo com parecer contrário da procuradoria jurídica do município. A obra foi interrompida e o Samae se comprometeu junto ao MP a fornecer água por meio de caminhões-pipa aos moradores.
– Pelo número de famílias – em torno de 400 lotes – nem Estado, nem município teria como reassentar todos, não teria área, infraestrutura.. o caminho será uma eventual regularização, mas isso implica em pré-encaminhamentos – disse Piaz.
O procurador se refere a um entendimento entre os assentados e o Estado, no sentido de o Estado dar a titularidade das terras a eles. O problema é que os que teriam o direito de ter os títulos eram poucos e alguns nem estão mais lá. A solução para esse impasse deve ficar mesmo para o final do processo, o que não tem data prevista para ocorrer. Por enquanto, a prefeitura contesta na justiça qualquer responsabilidade sobre o caso.
Enquanto isso, um artigo próprio no plano diretor cria a área urbana específica de Altos de Galópolis, passível de regularização mediante a resolução prévia de todas as pendências.
– Existe um processo contra os loteadores e contra o Estado que sabia da situação e nada fez, se omitiu. É um processo bastante complexo, bastante difícil, depende forças políticas, de uma série de coisas. Aguardamos a revisão do plano diretor – disse o promotor da 2ª Promotoria Especializada, Adrio Rafael Paula Gelatti.
Contraponto
"Ainda não foi julgada a ação civil pública do Ministério Público que pretende regularizar a área da Alto de Galópolis. A Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, em conjunto com outros órgãos do Estado, está tentando a regularização administrativa junto ao Município de Caxias do Sul. Por ora, não há nada concreto."
Procuradoria-Geral do Estado, por meio da Assessoria de Imprensa
Entenda o caso
:: Em 2001, agricultores de Ibiraiaras, norte do RS, foram transferidos, pelo Estado, para a área conhecida hoje como Altos de Galópolis. Os terrenos nunca foram regularizados pela prefeitura de Caxias.
:: Desde então, os agricultores venderam e repassaram terras para outras pessoas. Outras partes do loteamento foram invadidas.
:: No período, a prefeitura de Caxias, com a justificativa de que age por responsabilidade civil, abriu espaços para ruas e fornece água.
:: Em 2015, uma ação ajuizada pelo Ministério Público exigiu a proibição de compra e venda de terrenos de loteamento (inclusive com apreensão de anúncios), além da suspensão de qualquer obra pública ou privada.
:: Em dezembro do mesmo ano, liminar em favor do MP foi determinada pela Justiça.