Há décadas, Gema Guilhermina Nicoletto Pasa, 71 anos, frequenta diariamente as missas de Caravaggio. Ao mesmo tempo em que renova à fé na santa reverencia os antepassados imigrantes e, em especial, a tataravó de quem não sabe sequer o nome correto - acha que é Giacomina. Mas faz questão de manter essa italiana na memória.
- A mãe do meu bisavô está sendo esquecida, mas foi ela quem trouxe no navio o quadro de Nossa Senhora de Caravaggio, datado de 1724, quando saiu da Itália. Dizem que ela só se preocupou com o quadro, era o bem mais precioso que ela tinha - conta, situando que os antepassados saíram de Fronzaso, na região do Vêneto.
Segundo o diretor do Museu Paolo Cresci, em Lucca, Piero Biagioni, baseado em pesquisas e documentos - o espaço tem um dos principais acervos sobre imigração na Itália - não são raras as transferências de devoções de santos entre Brasil e Itália.
- Imigrantes levavam a imagem de um santo, ele passava a ser cultuado e, de uma imagem que não dizia quase nada, acabava se tornando a principal do lugar. Esse senso de identidade religiosa transferiu-se da Itália para o Brasil e foi responsável pela união de toda a comunidade - avalia.
Gema associa a importância da mulher à Nossa Senhora de Caravaggio:
- A santa apareceu a uma mulher (Joaneta Varoli) e foi uma mulher que trouxe a imagem dela para cá. Elas rezavam de manhã e de noite e contam que, naquela viagem, ninguém morreu.
Biagioni destaca uma característica feminina, também ressaltada por Gema, ao afirmar que é a mulher quem mantém e transfere as origens aos filhos.
- O pai obriga o filho a aprender a língua (do novo país), porque ele trabalha fora e percebe que, se não souber a língua, não irá a lugar nenhum e será objeto de discriminação. Já a mãe, que está em casa, é aquela que conserva uma série de coisas: a língua, ensinando-a e transferindo-a ao filho, a comida e a religião - completa o diretor do museu.
Giacomina fez exatamente isso. Ela passou por Farroupilha, em Caravaggio (antes de o lugar se chamar assim), e seguiu viagem a Lagoa Vermelha. Deixou o filho, Natal Favro, para viver no lote de 48 hectares, pago em 10 anos. Além da terra, deixou com o herdeiro o quadro da santa.
Logo depois da chegada, em 1878, o objeto deu origem à capela local - com direito à polêmica na escolha do padroeiro, porque cada imigrante desejava ver contemplado um santo diferente, de Santo Antônio a Nossa Senhora de Loreto. A terceira opção acabou vencendo, porque tinha imagem disponível - Giacomina conseguiu multiplicar a devoção, e a capela foi inaugurada em 1879.
A estátua de Nossa Senhora de Caravaggio, que se encontra no altar do santuário, foi fabricada em 1885 pelo artista plástico Pietro Stangherlin, que vivia em Caxias, inspirada no desenho trazido pela imigrante. Gema ouviu que foram necessários oito homens para carregar a santa de Caxias até Farroupilha.
O pequeno quadro em preto e branco ficou na família de Gema até a década de 1970 e, depois que o avô faleceu - e como ele era o último homem dessa linhagem -, a imagem foi doada à igreja.
- A devoção foi a melhor coisa que os imigrantes trouxeram, a fé e a religiosidade. A pior foi a blasfêmia. Eu, graças a Deus, devo essa história ao meu avô.
Italianos da Serra
A fé em Nossa Senhora de Caravaggio cresceu e se multiplicou
Imagem trazida no navio por uma imigrante deu início à devoção na Serra
Tríssia Ordovás Sartori
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project