2020 é passado. Havia a expectativa de uma retomada do crescimento econômico ancorado em uma agenda reformista, que daria ainda mais sustentação ao modelo liberal adotado pelo ministro Paulo Guedes. Aí veio a pandemia e, como em um efeito dominó, o mundo inteiro precisou se armar para enfrentar a propagação das infecções. A consequência foi uma crise econômica sem precedentes na história mundial. O vírus, que ceifou 1,8 milhões de vidas, em 2020, infectou também as células da economia globalizada, quase orgânica de tão interligada.
Em março de 2020, o então prefeito Flávio Cassina (PTB) decretava o fechamento de toda a atividade não-essencial e as indústrias da cidade resolveram conceder férias coletivas aos funcionários. Ainda não era obrigatório o uso de máscaras e Caxias do Sul registrava apenas um infectado por covid, um homem de 42 anos, que havia retornado de Milão, na Itália.
O inimaginável ocorria. Caxias, a terra do trabalho, desligou seu motores. Aos poucos, depois que o pavor saiu de cena, foram revistas as medidas restritivas. Não apenas em Caxias, mas no mundo inteiro, governantes, líderes empresariais e trabalhadores passaram a entoar, como um mantra: “A economia não pode parar”. Naquela altura, as previsões eram de que o Produto Interno Bruto (PIB) do país despencaria 10%. Alguns ainda mais pessimistas cravavam a queda de até 15%.
A partir do relaxamento das medidas de distanciamento controlado, associado aos investimentos por parte do governo Federal, até dezembro, de R$ 620 bilhões no enfrentamento à crise, o Brasil fechou 2020 com retração de 4% do PIB. Um índice bem menor do que o previsto.
A sinalização de que, apesar da crise, o país deve começar 2021 melhor do que se imaginava está em um indicador de PIB, de crescimento de 7,7% no terceiro trimestre de 2020, na comparação com os três meses anteriores. Se a tendência se confirmar também nos próximos períodos, pode-se esperar um 2021, ainda desafiador, mas com uma melhor expectativa de crescimento. Pelo menos esta é a visão de Joarez José Piccinini, diretor-superintendente de Serviços Financeiros e Relações Institucionais das Empresas Randon e diretor de Economia, Finanças e Estatística da CIC, de Caxias.
Piccinini defende o equilíbrio ente os poderes executivo e legislativo, pois julga ser vital para desatar nós que emperram o desenvolvimento econômico.
– Precisamos destacar o que foi de extrema relevância em 2020: as ações no sentido de socorrer as pessoas, de efetivamente fazer um esforço monetário e fiscal, de trazer as taxas de juro a um nível extremamente baixo. Acho que nós teremos um 2021 bastante desafiador, mas creio também que será extremamente produtivo por causa das reformas tributária e administrativa – avalia.
Investimento na produtividade e na qualificação da mão de obra
Uma série de fatores pode ser favorável a uma retomada da economia da Serra. Entre elas, Joarez José Piccinini destaca:
– Se tivermos um crescimento de PIB de 3,5 a 4%, a gente vai ter, sim, retomada. Na medida em que os índices de confiança se sustentem e se consolidem, teremos retomadas importantes dos setores imobiliário, comércio e serviços. Nessa combinação de fatores, e com o sistema financeiro favorável para emprestar mais, as pessoas poderão trocar de carro, de casa, poderão ainda construir mais, e isso tudo gera demanda, que impulsiona a roda da economia.
Na esteira desses acontecimentos, Piccinini entende que 2021 deve ser encarado como um momento ímpar por causa dos juros ainda baixos. Isso pode vir a ser usado para o fortalecimento das margens de lucro, que, no seu entendimento, devem ser reinvestidos.
– Esse reinvestimento deve ria ser em qualificação da mão de obra, em novos processos, e na melhoria de produtos e serviços. É hora de reconstruir carteira de ativos de crédito. Essa é a minha leitura favorável desse cenário, para entrarmos no ciclo virtuoso: maior consumo gera uma utilização maior da capacidade instalada, aumentando a lucratividade, que aumenta a renda, gerando maior consumo – ensina.
Piccinini defende ainda um olhar para o horizonte mais distante, vislumbrando não apenas um promissor 2021, mas uma década de oportunidades para as empresas da Serra.
– Precisamos nos dedicar intensamente na produtividade e na qualificação das pessoas. Essa mão de obra, sejam servidores públicos ou da iniciativa privada, deve estar preparada para prestar um serviço da melhor qualidade com menor custo e maior satisfação para os clientes. É assim que vamos ganhar o jogo, com investimento na produtividade e na qualificação das pessoas – aposta.
Cenários econômicos para 2021
Joarez José Piccinini é administrador, com especialização em Economia e Mercado de capitais, em Boston, nos Estados Unidos. Ao falar dos cenários econômicos, ele frisa que não se trata de adivinhação. Tudo é baseado nas leis de mercado e que pode sofrer turbulências de maior ou menor consequências ao longo do ano. Vide o exemplo de 2020, o ano pandêmico. Para Piccinini, o ponto de virada terá de vir com a imunização das pessoas.
– A vacinação gradativa e a imunização de rebanho, vão trazer certo alívio nesse sentido, com maior movimentação das pessoas e produtos, retomando fluxos internacionais ao longo de 2021.
CÂMBIO
“Podemos imaginar o dólar na faixa dos R$ 5. Quando olhamos todos os indicadores históricos, tudo isso nos leva a dizer que o real deve sofrer valorização”.
TAXA DE JUROS
“A taxa da Selic não teria vindo a 2% se não fosse a pandemia que nos abateu de maneira monumental. A expectativa em 2021 é a de que ocorra um realinhamento, não total, mas a gente deve fechar o ano ente 3% a 4%”.
INFLAÇÃO
“O Brasil persegue metas de inflação com base no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). Por causa do desabastecimento em função da crise, em 2020 tivemos majoração do preço acima do IPCA. No final do ano teve uma normalização. Espero que em 2021 ocorra o reestabelecimento da cadeia de suprimentos e também a acomodação dos preços. A inflação em 2021 deverá ser entre 3,20% a 3,40%”.
PIB
“Em 2020, a contração do PIB fechou em 4%. No entanto, o cenário para 2021 tende a melhorar. A criação de 415 mil vagas, em novembro, divulgada pelo Caged, é um dado extremamente positivo. O PIB para 2021 deve ser de 3,5%, com possibilidade de se chegar a 4%, com as reformas que devem ser votadas”.
2021 se inicia ainda com a sombra da pandemia
A grande equação de 2020 foi, sem dúvida, a tentativa de conciliar medidas de combate à propagação do vírus com a flexibilização das restrições. Se por um lado, uma maior mobilidade das pessoas realimentou os fluxos de oferta e demanda, por outro, expôs mais pessoas ao eminente risco de contágio.
– O desafio global para os países que vem tentando retomar as suas atividades, como é o caso do Brasil, é que temos um vírus que continua a contaminar pessoas. Agora, tem crescido ainda a preocupação com a mutação do vírus, se a vacina vai funcionar, ou não, também nesse caso. É por isso que países com uma melhor estrutura serão os que vão retomar suas atividades de forma mais rápidas – explica Gustavo Bertotti, economista, professor da FSG e head de Renda Variável da Messem Investimentos.
O economista revela que as agências classificadoras de risco, consultadas por pessoas e empresas que pretendem investir no Brasil, listam, entre as preocupações, a falta de um plano de vacinação, a condição fiscal do país e os constantes embates entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como condições desfavoráveis. Por outro lado, diz Bertotti, há sinais de uma maré favorável, menos turbulenta, que tem sido promovida por bancos centrais de diversos países, que estão focando na manutenção dos juros baixos, em uma política expansionista.
– No Brasil, estamos com a menor taxa histórica de 2%, mas o Relatório Focus já sinaliza uma taxa de 3% para 2021. Com a retomada da atividade econômica, pode ser que a inflação se mostre maior, mas devemos chegar ao final de 2021 com uma taxa entre 3 a 3,5% – acredita.
Em 2021, as empresas brasileiras ainda terão de encarar a falta de componentes e insumos e, por conta de sermos importadores desses itens, o dólar seguirá penalizando, aumentando o custo das companhias. E, infelizmente, esse custo acaba sendo repassado aos consumidores, resigna-se Bertotti.
– Nós teremos um ano desafiador pela frente. Precisamos lembrar de que o Brasil está com 14 milhões de desempregados. Acredito que o primeiro trimestre de 2021 deverá dar o ritmo do restante do ano. O governo brasileiro precisa encarar as reformas que nunca foram feitas e que têm sido postergadas para que o país tenha condições de crescer – defende.