Da poesia à aventura, passando pela fantasia, das realidades distópicas, aos romances, passando por crônicas e contos, a leitura é parte do processo de alfabetização e do letramento. No entanto, pessoas com o hábito da leitura no Brasil representam a minoria, de acordo com dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
Os não leitores representam 53% da população. É a primeira vez que se chega a esse resultado desde 2007, quando foi realizada a primeira consulta. A pesquisa considera leitor a pessoa que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro de qualquer gênero, impresso ou digital, nos três meses anteriores à realização da consulta.
Entre os 47% que foram definidos como leitores, há aqueles que leram livros em partes. Já os que concluíram a leitura integral de um livro, pelo menos, três meses anteriores à pesquisa, representam um número ainda menor: 27%.
Realizada pelo Instituto Pró-Livro, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil foi realizada em 208 municípios e entrevistou 5.504 pessoas entre 30 de abril e 31 de julho de 2024.
Mas o que leva os 47% dos brasileiros considerados leitores a manter o hábito da leitura? Seja por lazer, saúde mental, influencia da família ou das redes sociais, as pessoas leitoras cultivam o hábito nos livros físicos e digitais e nos mais diversos gêneros.
É esse o caso da professora de inglês e analista de marketing Kimberly Salomão. Na infância, influenciada pela avó, criou o gosto pela leitura que mantém até hoje. Mesmo na vida adulta, com menos tempo livre e mais responsabilidades, Kimberly reserva diariamente um tempo precioso para a leitura.
— Eu sempre tento separar, pelo menos meia hora do dia. Geralmente é antes de dormir ou no ônibus. Eu tento separar uns minutos por dia, nem que seja pra ler um capítulo ou dez páginas. Eu leio porque quero fugir um pouco da minha realidade, esquecer um pouco os problemas... Me ajuda principalmente nisso, para eu ficar um pouco mais tranquila, ter um momento de desligar — justifica.
A paixão pelos livros começou ainda na infância, quando leu a saga Harry Potter.
— Para mim, além da minha terapia a cada 15 dias, o livro virou um momento terapêutico — comenta.
Por isso, Kimberly também participa de comunidades online de leitores, como o aplicativo Skoob, onde pode dividir com pessoas de todo país o que leu, além de acompanhar as resenhas de livros.
— É bem comum as pessoas comentarem nas redes literárias dos outros, dar opinião. Eu acho que é bem bacana.
Tornar a leitura menos solitária
Escolher um livro, lê-lo em silêncio, na maioria das vezes sozinho, é parte da rotina das pessoas leitoras. Contudo, há os grupos de leitura, como o Leia Mulheres, coordenado em Caxias do Sul pela professora e mestranda em Letras e Cultura, Roberta Saldanha, que surgem como uma oportunidade de tornar a leitura menos solitária.
— Ler é uma atividade muito solitária nas configurações que a gente tem hoje. Antes, tinha a leitura em grupo, quando a taxa de alfabetização era muito baixa. Quando você é criança, existe muita contação de história em grupo. Quando você cresce, se torna individual. Você lê sozinho — analisa Roberta.
Grupos de leitura como o coordenado por ela têm o poder de unir uma comunidade com gostos parecidos para debates sobre livros, troca de indicações e até para fomentar novas amizades.
— As pessoas que participam do grupo relatam que elas sentem falta de dividir e querem conversar sobre os livros. Acaba se constituindo um vínculo para além do próprio livro — enfatiza.
No grupo, por exemplo, Roberta se reaproximou de uma amiga de infância que buscava um incentivo para retomar a leitura na vida adulta.
— As pessoas, às vezes, querem voltar a ler. Ou querem começar a ler e não sabem por onde começar, ou por qual gênero começar. O grupo tem essa espécie de curadoria e ajuda nesse sentido — aponta.
Mas antes de ser coordenadora do grupo de leitura, Roberta já cultivava a paixão pelos livros desde a pré-adolescência. A professora aponta um momento em que recorda ter se tornado leitora.
— Mudou mesmo quando eu comecei a ler Harry Potter. Comecei a ter mais autonomia nas minhas leituras, retirar na biblioteca. Eu tinha uns 12 anos, comecei a ler por conta dessas literaturas infantis, juvenis. Eu era muito curiosa. O que me caía nas mãos, eu lia. No ensino médio, eu li O Quatrilho, do Pozenato, e, ao mesmo tempo, A Mediadora, da Meg Cabot — relembra Roberta.
Influência familiar
Para muitos, a pré-adolescência é o período de descobertas de gostos pessoais. 2024 foi o ano que marcou essa mudança para a estudante Luiza Carvalho da Fontoura, de 10 anos. Só nesse ano, foram 12 livros lidos por influência dos pais e da escola.
— Meu primeiro livro grande foi As Aventuras de Mike. Li no início desse ano. Eu comecei a gostar das histórias, de ler, entender os livros, e daí eu comecei a ler mais. Eu levo meus livros pro colégio, mas eu também leio em casa. Leio um pouco na aula, quando eu acabo as atividades e depois eu leio mais um pouco em casa — conta Luiza.
O que contribui, também, para manter o hábito da leitura é dividir com as colegas de colégio as avaliações sobre os livros e trocar indicações.
— Alguns livros minha amiga me emprestou, aí eu comecei a ler e gostei. A gente fica conversando sobre o livro, sobre qual página, o que aconteceu — conta.
Além da influencia das amigas, Luiza é acostumada a ver o pai, Paulo Becker da Fontoura, ler em casa. Os dois, inclusive, reservam momentos para ler juntos, cada um o seu livro. Em casa, o costume começou desde a primeira infância, incentivada pela mãe, Janiele Carvalho, e o pai.
— Quando ela começou com esse gosto da leitura foi muito bom, porque eu via que ela se envolvia com a história. Ela começou a ter mais regras, que ela mesma se colocou. Momentos para ficar no celular, momentos para ler... No início, a gente pedia para ela ler e fazer um resumo. Isso também estimula ela a escrever melhor e a melhorar as notas no colégio — orgulha-se Janiele.
Apesar de ter passado pela etapa da alfabetização durante a pandemia, os pais de Luiza acreditam que a leitura contribuiu para que a filha ampliasse o vocabulário e melhorasse habilidades de leitura e escrita.
— Vejo com os colegas dela que tinham uma dificuldade nessa parte da leitura e da escrita. Quando ela começou a ler mais, a gente começou a trabalhar mais em cima disso e ela começou a desenvolver muito mais. A gente acha que quanto mais tu lê, mais o vocabulário aumenta — afirma Janiele.
Saiba mais
Veja a seguir, alguns dados que revelam o comportamento do leitor na Biblioteca Pública de Caxias do Sul. As informações foram compiladas pelo diretor do Livro, Literatura e Leitura, Cássio Immig.
- Público que frequenta a Biblioteca Pública é composto majoritariamente por estudantes do Ensino Médio e pessoas aposentadas;
- O gênero mais buscado é o romance americano (18% dos empréstimos), seguido do romance inglês (9% dos empréstimos);
- Livros espíritas representam 5,5% dos empréstimos;