Evento que tem a nostalgia como uma de suas principais atrações, o São Chico Beatle Festival, que tem neste fim de semana a sua quinta edição no Lago São Bernardo, em São Francisco de Paula, traz pela primeira vez ao Brasil a primeira banda a ter John Lennon como integrante, nos anos 1950. A The Quarrymen traz, como membro original, Rod Davis, 84 anos, músico que conheceu Lennon na infância e conviveu com o futuro Beatle também na adolescência, quando dividiram o palco por cerca de um ano.
Em São Chico, Davis se apresenta ao lado de David Bedford (que além de músico é um renomado pesquisador dos Beatles) e Henry Lowe (tecladista, filho de John Duff Lowe, um dos fundadores da The Quarrymen, falecido há um ano). Na última quinta-feira, Davis atendeu a reportagem do Pioneiro para uma entrevista descontraída e repleta do típico bom humor britânico, como ao contar sobre ter sido substituído por Paul McCartney. Confira:
Pioneiro: O que motivou a retomada da The Quarrymen nos anos 1990, quase 40 anos após o término da banda?
Rod Davis: Em 1995 eu estive nos Estados Unidos para dois festivais beatle, e as pessoas parecerem realmente interessadas em conhecer a The Quarrymen. Quando voltei, comentei isso com os antigos colegas e disse: “se voltássemos a tocar, talvez um dia possamos viajar pelo mundo. E olha onde estamos agora, conhecendo o Brasil e o hemisfério Sul, depois de termos passado por Japão, Rússia, Cuba, México, e a maior parte da Europa. Parece que tomamos a decisão certa.
E como tem sido as suas primeiras impressões da nossa região?
É incrivelmente bonita. Nós não sabíamos o que esperar, porque, mesmo sabendo que o Brasil tem toda a exuberância da floresta amazônica, não imaginávamos que também o Sul seria tão verde e bonito. Chegamos há três dias e estamos tendo uma experiência maravilhosa. Acho que vocês terão de dar um jeito de se livrar de nós, porque não vamos mais querer ir embora (risos).
De volta aos anos 1950, o que os jovens gostavam de escutar naquela época, sendo que ainda não havia a própria música dos Beatles para inspirá-los?
Nas bandas de jazz na Inglaterra, os trompetistas e trombonistas não conseguiam tocar seus instrumentos a noite toda, porque em algum momento passava a machucar os lábios. Então, durante os intervalos, eles mesmos pegavam guitarras e faziam um set tocando e cantando basicamente blues e country, o que na época chamávamos apenas de música americana. Isso evoluiu para um gênero que a garotada começou a chamar de skiffle, que teve como nome principal um músico chamado Lonnie Donegan. Em 1956, seu álbum chegou ao número 6 entre as mais tocadas, e isso fez com que dezenas de milhares de músicos, em sua maioria jovens rapazes, começassem a tocar guitarra. Bastava aprender três acordes e já era o suficiente. Anos mais tarde, quando o rock ‘n’ roll surgiu, a maioria virou “roqueira” tocando os mesmos três acordes.
Toquei junto com John por cerca de um ano, quando então umc ara chamado Paul…como era mesmo o sobrenome dele? McCartney? Ele tomou o meu lugar (risos).
ROD DAVIS
Quando o senhor conheceu John Lennon, reparou de cara que havia algo especial nele?
Com certeza não percebi. Eu conheci John quando tínhamos cinco anos de idade. Nós frequentamos a mesma escola dominical junto a uma igreja da nossa vizinhança. Nossas mães queriam ter domingos mais tranquilos e tiveram a mesma ideia de colocar seus filhos para aprender religião naqueles dias. Mais tarde, aos 11, nós estudamos na mesma escola, e aos 14 iniciamos a The Quarrymen.Isso porque eu tocava banjo, e a banda já estava ganhando uma cara mais rock ‘n’ roll, onde o banjo não tinha lugar. Também foi quando o washboard (instrumento de percussão feito com uma tábua de lavar roupas) foi substituído pela bateria.
O que o surpreendeu mais sobre John ter se tornado este grande ícone?
Quando eu o conheci ele não era exatamente um pacifista. Ele era até um pouco violento. Então, o fato dele ter crescido e se tornado um defensor da paz me surpreendeu um pouco, eu tenho de admitir. Mas nós todos ficamos muito felizes com o sucesso dos Beatles, porque eles eram de Liverpool, numa época em que toda a cena musical era controlada por Londres. Nós vimos um grupo sair da nossa cidade e ir até Londres e fazer um som até melhor do que os caras de lá eram capazes de fazer. Mesmo eu já não fazendo parte da banda, ainda assim era uma sensação incrível. Era como acertar um soco direto no olho daqueles londrinos (risos).
Nós vimos um grupo sair da nossa cidade (Liverpool) para ir até Londres e fazer um som até melhor do que os caras de lá eram capazes de fazer. Mesmo eu já não fazendo parte da banda, ainda assim era uma sensação incrível
ROD DAVIS
Falando agora sobre a The Quarrymen atual, o que o público pode esperar do show deste sábado, em São Chico?
Um fato é que há tantas bandas tocando tão bem a música dos Beatles pelo mundo, que não faria sentido para nós tocar o repertório dos Beatles. Por isso, nossa proposta é tocar aquilo que veio antes e os influenciaram, com a característica bastante simples, comparativamente, que é a do estilo skiffle. As pessoas têm gostado bastante, pelo menos essa é a impressão que temos pelo fato de que poucas pessoas têm atirado coisas em nós no palco, o que é um bom sinal.
São todas músicas de outros artistas ou há músicas autorais?
Sim. Porque naquela época todos tocávamos versões, exceto talvez Buddy Holly e Hank Williams, que tinham suas próprias composições. Não havia vergonha alguma, ou alguém acusar de apenas tocar a música de outros artistas. Nós queríamos soar igual à música que escutávamos nos discos. Não tínhamos muito sucesso nisso, mas era essa a intenção. John Lennon gostava de escrever poemas que eram publicados na revista da escola, mas eu não sei se ele já escrevia músicas. Talvez, sim. Foi por volta de 1958, já junto com Paul, que ambos começaram a compor aquelas que seriam as primeiras músicas dos Beatles.
Se John Lennon estivesse vivo ainda, o que imagina que ele estaria fazendo? Acredita que ele estaria ainda ativo com sua carreira?
Eu adoraria que ele estivesse tocando washboard agora (risos). Acho que seria um ciclo sendo completado.