Na cidade gaúcha com o maior número de vinícolas por metro quadrado da América Latina, experiências turísticas se multiplicam a cada início de ano com o período da colheita da uva. Em Bento Gonçalves, na Serra gaúcha, diferentes empreendimentos oferecem roteiros aos turistas no período em que os vinhedos estão carregados do fruto símbolo da região.
Para os produtores, é tempo de celebrar o resultado do trabalho de um ano inteiro. Por isso, atrações de todos os tipos, e que cabem em todos os bolsos, atraem milhares de turistas para que conheçam a realidade de famílias que dependem do cultivo da uva. É o caso da propriedade da família dos produtores Juliano e Daniela Zottis, no Vale dos Vinhedos.
Após décadas cultivando a uva que ia direto para outras indústrias de sucos, vinhos e espumantes, o casal decidiu empreender e criar mais um ponto de referência para o enoturismo na região. Abriram os portões dos parreirais para quem quiser conhecer o ciclo da uva e também oferecem grãos de 14 diferentes variedades da fruta para o visitante degustar. Munidos de uma cesta, também podem selecionar os cachos que querem levar para casa.
— Começamos a colheita da uva no dia 15 de dezembro. Trabalhamos as nossas uvas com manejo orgânico, por isso elas amadurecem antes das que são produzidas com o manejo convencional — explica Juliano.
O roteiro embaixo do parreiral é a oportunidade de experimentar o sabor e a textura de uvas de mesa mais tradicionais, como a Itália, até as versões sem semente, como a Vitória e a exótica Bananinha, com grãos em formado oval. Os passeios são acompanhados pelo casal e pelos familiares dele — não mais do que 10 pessoas trabalham na propriedade.
Na parte inferior da casa da família, fica a vinícola que produz cerca de 14 mil litros anuais e engloba 17 rótulos de vinhos de mesa, vinhos finos, suco de uva e espumante. A proposta é mostrar como era o preparo da bebida antigamente, no porão de casa.
— As pessoas não têm ideia do tempo que demora para produzir a uva. Os turistas ficam surpreendidos porque quando vão comprar um vinho eles olham o valor lá na prateleira e acham que é caro. Mas quando passam por aqui eles veem o trabalho que tem na videira, desde a poda, a brotação, a floração, a formação do cacho, o amadurecimento da uva — explica Daniela.
E, se a fome acompanhar o passeio, o turista pode ainda curtir o tradicional merendin — por aqui, formado por uma tábua de frios, acompanhada de pão colonial, geleias, além de degustar as bebidas produzidas ali mesmo. Visitar a região é um convite a se despir de qualquer luxo ou dieta — a cultura dos colonos, que gostam de receber visita e ofertar à mesa vinho, salame, queijo, copa e outras guloseimas, é o cartão de visita da vindima.
— É a melhor época do ano para quem vive da uva, do vinho — resume a proprietária.
"É uma experiência que traz emoção", conta turistas após pisar nas uvas
A pisa da uva, que imita como era feita antigamente a produção de vinho, foi incorporada na Casa Zottis por insistência dos próprios turistas. Daniela conta que uma visitante de São Paulo tinha o desejo de saber como é a sensação de pisar nos grãos despejados em um recipiente de madeira e sentir na pele a explosão do grão e a liberação do suco.
Porém, após algumas negativas, os proprietários se propuseram a organizar a experiência. Bastou uma postagem na rede social da turista paulista para que mais pedidos chegassem, fazendo com que a experiência fosse organizada anualmente.
Vinda de Brasília (DF), a professora aposentada Maria do Socorro Souza, 64, nunca tinha feito a pisa e aprovou a experiência nesta semana. Ela e a filha, Juliana, 28, tinham visitado a região apenas no período do inverno, quando os parreirais estão no processo de dormência. Desta vez, encontraram as videiras carregadas.
— É uma experiência que traz emoção. Aqui é uma terra própria para a uva, para o vinho, e não tem igual — diverte-se.
Quem também visitou os vinhedos pela primeira vez foi a paulista Jancarla de Camargo, 30. Habituada a compartilhar a rotina nas redes sociais, ela caminhava embaixo dos parreirais em busca dos cachos mais grandes e vistosos para posar ao lado e ser fotografada.
— Vim na ansiedade de poder colher e experimentar as uvas. Gosto muito do vinho e vir aqui ajuda a valorizar o vinho gaúcho — disse.
Expectativa de receber 50 mil pessoas na vindima
A vindima, período em que é colhida a uva, tradicionalmente começa em janeiro e se encerra em março, quando não há mais cachos nos parreirais. Nesta época, segundo a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), a expectativa é que 50 mil pessoas visitem o Vale dos Vinhedos.
De acordo com o presidente da entidade, Ronaldo Zorzi, a temporada é bastante aguardada pelos produtores, cujos negócios firam impactados com a ausência de turistas ao longo do ano passado, principalmente após a chuva de maio.
Com estradas danificadas e com o fechamento temporário do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, a movimentação baixou pela metade na região. Agora, com a retomada, é o preço das passagens aéreas que limita a chegada dos turistas.
— Foi um período atípico, recebendo apenas público aos finais de semana, vindos do Rio Grande do Sul. O turista de fora do Estado não vinha. Agora, mesmo com o retorno do aeroporto (de Porto Alegre), ainda vemos que o custo da passagem aérea está mais caro que anos atrás — avalia.
Em contrapartida, as propriedades da fruta são celebradas pelos agricultores.
— Vou para os vinhedos todos os dias e a safra 2025, até o momento, em termos de qualidade, está fantástica. Todos os indicativos levam a considerar que teremos uma uva muito boa. No período chuvoso, os vinhedos estavam no período da dormência e não foram afetados. Com a brotação, tivemos chuvas em um valor moderado. Está fazendo mais frio à noite e calor durante o dia, o que é muito importante. E a chuva agora está abaixo da média, o que é excelente — explica Zorzi.
Para aprender a harmonizar
As experiências da vindima se espalham por Bento Gonçalves. Distante cerca de 20 quilômetros do Vale dos Vinhedos, a vinícola Vistamontes, no distrito de Faria Lemos, oferece um roteiro turístico para quem gosta de entender mais sobre a terra que rende os frutos que vão parar em premiadas garrafas de vinhos, sucos e espumantes.
A liderança da vinícola é do casal de enólogos Geyce Salton e Anderson de Césaro. O nome da vinícola não é por acaso: a vista dos vales é de encher os olhos — mesmo que a paisagem ainda permita ver as cicatrizes provocadas pelos deslizamentos de terra. Entre as experiências, está a visita aos vinhedos no formato espaldeira e posterior degustação de rótulos, acompanhada de uma tábua de queijo e salame colonial.
— Oferecemos no ano passado a experiência com a variedade Malbec. Explicamos sobre a uva e depois degustamos os espumantes e vinhos produzidos a partir dessa uva. Neste ano, optamos pelo Merlot, que é o ícone da região. Desse vinhedo elaboramos quatro vinhos tintos. É para o visitante entender que da mesma uva é possível ter diferentes tipos de bebidas — explica Geyce.
A caminhada é feita pela manhã para escapar das altas temperaturas. Na parte interna, é feita também a degustação harmonizada, uma outra opção de experiência, que oferece quatro rótulos da vinícola e uma seleção de queijos e embutidos.
Experiências que chamam a atenção de um público mais acostumado ao mundo do vinho.
— Pelo fato de estarmos fora do Vale dos Vinhedos, já há um filtro. O turista que não conhece muito vai primeiro lá. Quem vem pra cá são pessoas que conhecem a região a tempos, desbravaram o Vale e estão em busca de coisas novas. É um turista mais conhecedor, com um ticket médio de compra maior — avalia Geyce.
A produção da vinícola é composta por uma diversificada linha de espumantes e vinhos barricados de lotes limitados; além dos já tradicionais sucos de uva. O que o visitante aprende é que o solo pedregoso e relevo íngreme propicia perfeita drenagem natural e excelente exposição solar, garantindo as condições favoráveis para produção de uvas de forma constante e com muita qualidade.
Outras opções
Vinícolas oferecem diferentes experiências para quem deseja celebrar a temporada de colheita:
:: Bento Gonçalves
Cooperativa Vinícola Aurora: de segunda a domingo, oferece a degustação harmonizada com chocolates, que inclui vinhos das linhas Reserva e Pequenas Partilhas, espumante Aurora Moscatel Rosé e o vinho de sobremesa Colheita Tardia. A experiência tem duração aproximada de 40 minutos. Informações: (54) 3455.2095.
Vinícola Videiras Carraro: até o dia 20 de fevereiro, a vinícola promove colheita e pisa das uvas acompanhado de música italiana ao vivo, meredim, lanche caseiro com pão colonial, queijo, salame, copa e geleia, além de vinho, espumante, suco de uva e água. Informações: (54) 9 8407-2536
Vinícola Cave do Sol: oferece duas experiências durante o período. Na Experiência Harmonizada Inspirada na Uva, disponível até 30 de março, o visitante participa de um tour pelas caves da vinícola e de uma harmonização que reúne quatro vinhos, um suco e cinco petiscos. Ele também ganha uma taça de cristal personalizada. Na opção Vindima 2025, nos dias 15 e 22 de fevereiro e 1º de março, o pacote inclui colheita e pisa de uva, música italiana ao vivo e merendin. Informações: (54) 9 8418-9882
Monte Chiaro Vinhos Finos: é para quem busca uma experiência mais agitada. A proposta de sunset tem música do DJ Kaillou nos dias 18 e 25 de janeiro; 1º, 8 e 22 de fevereiro; e 3 e 15 de março. Informações: 54 9 9117-1441
Dom Cândido: apresenta duas opções para curtir a vindima. A Vindima Diurna ocorrerá nos dias 25 de janeiro e 1º e 15 de fevereiro, com transporte de trator até o local da colheita, merendin, colheita e pisa das uvas com música ao vivo e almoço no restaurante da vinícola — as atividades incluem espumante, suco, vinho e água. Essas mesmas atividades estão disponíveis na Vindima Noturna, no dia 1º de março. Informações 54 9 9900-5871
Casa Valduga: a programação Caminhos da Colheita reserva comidinhas e espumante, história da vinícola com degustação de quatro produtos e ida aos parreirais de trator para a colheita e a pisa de uva. Por ali também haverá produção de uvada, com direito a levar uma compota para casa. Por fim, o roteiro se encerra com almoço no restaurante da vinícola. Informações: (54) 21053122.
Vinhos Larentis: oferece duas opções para celebrar a vindima. A Colheita Noturna, com vagas ainda disponíveis nos dias 8 e 15 de fevereiro, inclui recepção com espumante, história da família, degustação orientada, colheita de uvas à noite e jantar harmonizado nos vinhedos. Outra opção é o Piquenique nos Vinhedos, oferecido todos os dias, com exceção das quartas-feiras. Nesse roteiro, há degustação de três rótulos e cada casal recebe uma cesta com produtos coloniais, água e um vinho, além de toalha xadrez e almofadas. Informações (54) 3453.6469.
:: Garibaldi
Família Vaccaro: realizada a partir de Fevereiro, aos sábados. O visitante poderá colher as uvas que serão utilizadas na pisa. É oferecida degustação de iguarias com sabor de uva. Também há opções de piquenique. Informações: (54) 3464-7925.
Chandon: durante a experiência, o visitante vai entender todas as etapas de elaboração de um espumante excepcional, incluindo: conhecer o terroir podendo colher as uvas, visualizar o processo de elaboração, explorando as áreas restritas da vinificação, degustando mostos, vinhos base e espumantes selecionados especialmente pela equipe em cada etapa de elaboração. Informações: (54) 99203-4067
:: Flores da Cunha
Vinícola Luiz Argenta: degustação de até quatro rótulos, além de passeio em veículo aberto entre os vinhedos e taça como souvenir. Informações: (54) 3292-4477.
Vinícola Família Ulian: café da manhã, colheita da uva, atrações italianas, pisa das uvas e almoço Menarosto. Toda a experiência será regada a espumantes, vinhos brancos, sucos e água. Informações: (54) 3279-5055.