
Saio do banho apressada e olho no relógio: são 6h04min. Meu deus! Penso se devo passar hidratante ou pulo essa etapa da rotina, a fim de economizar uns minutinhos. Hesito por um instante, mas mantenho o hábito. Estou atrasada. Mais do que isso, fico inconformada por estar atrasada antes das 6h10min. Não faz o menor sentido. Não estou indo a um plantão médico, nem apagar um incêndio ou salvar uma vida. É só um dia comum, cheio de tarefas e reuniões.
Me desloco ao trabalho pensando por que preciso correr tanto — no sentido figurado, óbvio, porque no literal isso está longe de ser realidade. Aí lembro algumas das últimas conversas com as pessoas aleatórias: todas falam sobre a mesma coisa, dessa vida apressada. "Estou tão cansado! Parece que estamos em novembro/dezembro", ouvi há pouco. É como se todos estivéssemos vivendo na velocidade dois das conversas de Whats App. Parece que mal dá tempo de respirar. Mas a gente nem pensa nisso, apenas segue.
Esse cotidiano apressado é curioso: a pressa é funcional e utilitária, não é pressa de viver, de aproveitar os dias, de ter experiências felizes e duradouras. É um mais que pouco soma, no final das contas. Em alguns momentos, subtrair parece mais necessário: menos esforço para conexões, menos compromissos, menos barulho. Aproveitar espaços de contemplação, como fez a freira francesa Geneviève Jeanningros, 81 anos, no velório do papa Francisco. Achei uma das cenas mais tocantes dos últimos dias. Vestindo um hábito bem simples e de mochila nas costas, quebrou o rígido protocolo eclesiástico e pôde se aproximar do cordão de proteção que delimitava o espaço do caixão do Pontífice, com o auxílio de um segurança. Foi se despedir do amigo que visitava todas as quartas-feiras, rezou e até mandou um beijo reproduzindo o gesto de levar a mão à boca. Isso na primeira das quatro vezes que foi à cerimônia no Vaticano.
Ou seja: no meio da correria, da pomposidade, das filas imensas que duram horas para chegar perto do papa morto, das fotografias tiradas com o celular e até das selfies junto ao esquife, uma senhora comovida e em oração chamou atenção no velório. A imagem remeteu, para mim, à resposta da poeta portuguesa Matilde Campilho, à pergunta de Eric Nepomuceno no programa Sangue Latino:
— O que é para você o silêncio?
— Em um mundo onde hoje tudo faz barulho a toda hora, o silêncio é a maior bênção possível. Hoje em dia, acho que silêncio, muitas vezes, tem que ser escolhido, porque se a gente deixar são dias e dias e dias e horas sem ele. Não vem nem de noite e nem digo só nas cidades. Digo na cabeça da gente... Tanta informação! Mas sem silêncio não há trabalho, não há aquele momento em que você para pra olhar de verdade. As pessoas têm medo do silêncio, eu própria posso ter medo do silêncio como a gente tem medo às vezes de olhar no espelho. O espelho é o maior dos silêncios: sou eu e eu. E agora?
Quero voltar a olhar para o espelho sem pressa de contemplar o reflexo, mas também sem perder tempo. Para viver.