Noite dessas, fui guardar toalhas no banheiro que menos uso no meu apartamento e percebi que havia uma sombra dentro do box. Aproximei-me e vi que se tratava de uma aranha — aquelas marrons, com pernas fininhas e enorme — parada na junção do revestimento cerâmico de tijolinhos brancos, o que a destacava. Meu impulso me tirou dali. Tenho pânico de aranha.
O pensamento seguinte foi que não poderia perder o bicho de vista, sob pena de precisar me mudar (sou dessas. Risos). Corri para a área de serviço e peguei um inseticida superpotente, a fim de resolver a situação. Ao voltar ao cômodo, no entanto, me dei conta de que precisaria abrir a porta do box, torcer para a aranha não pular em mim ou fazer movimentos bruscos e ainda assim acionar o spray. Respirei algumas vezes até sair da inércia e, com muito cuidado, movimentei lentamente a porta de vidro para frente. Abri uma fresta apenas para minha mão passar e comecei a apertar o spray. Logo uma nuvem intoxicante espalhou-se pelo banheiro e eu não conseguia parar de usar o inseticida.
Quando me dei conta, estava tossindo e com os batimentos cardíacos acelerados. A aranha já estava zonza. Saí de lá até recuperar o fôlego. Por fim, tinha conseguido, mas ainda estava assustada. Como uma criança descobrindo habilidades, liguei para minha mãe e contei o que tinha feito. Ela, que sabe da minha dificuldade de lidar com aranhas até em fotografias, ficou feliz em saber que fiz algo “muito desafiador”.
Se contasse a mesma história para alguém que não me conhece tanto, provavelmente ouviria: legal, mas por que não pisou em cima? Isso seria absolutamente simples — exceto pelo fato de eu mal conseguir me aproximar do bicho. Mas aí não dá para saber, né?
Esse preâmbulo todo é exatamente para dizer isso: a gente não pode medir o sentimento alheio. Quantas vezes alguém se aproximou, contou de uma dificuldade que está passando e ouviu algo como “supera, és melhor do que isso”. E, no fim, a pessoa nem queria conselho, só queria ser acolhida.
Quem consegue sentir o tamanho da dor do outro — dos que partem, dos que ficam? Seria menos complicado se nem tentássemos entender aquilo que foge da nossa compreensão. O poeta Manoel de Barros versou que “Aquele/ Que não morou nunca em seus próprios abismos/ Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas/ Não foi marcado. Não será exposto/ Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema”.
Eu, como a lírica que sou, torço para que a gente consiga respeitar dores que não são nossas, sem curiosidades mórbidas ou desconfianças. Que saiba acolher, que sinta junto. Que celebre as boas lembranças, que ajude a construir as próximas. E que deixe um pouco da melhor versão de si em cada pequena interação. “A vida não é o que a gente viveu, e sim o que se lembra e como se lembra para contá-lo”. A frase não é minha, é do Gabriel García Márquez, mas sintetiza uma das minhas crenças: que devemos ser generosos com as histórias (e memórias!) alheias.