
Uma nova esperança no combate ao Alzheimer foi aprovada nesta quarta-feira (23) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão brasileiro autorizou o registro do Kisunla (donanemabe), medicamento que poderá retardar a progressão da doença em pessoas diagnosticadas com Alzheimer em estágio inicial.
Trata-se de um anticorpo monoclonal desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly que já havia sido aprovado pela agência reguladora dos Estados Unidos, a FDA, em julho do ano passado.
Sua ação é diretamente nos aglomerados de proteína beta-amiloide que se acumulam no cérebro de pessoas com Alzheimer. O medicamento se liga a essas placas de proteína e ajuda a removê-las, retardando a progressão do comprometimento cognitivo e funcional.
— Este é o primeiro medicamento que vai na causa, que são as placas amiloides, enquanto todas as outras medicações disponíveis até agora tratam sintomas que são consequências da doença. A medicação aprovada agora vai tentar retardar a própria doença, para que ela não piore tanto — explica o neurologista Wyllians Vendramini Borelli, coordenador de pesquisa do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Tire suas dúvidas sobre o Kisunla (donanemabe)
Como atua o medicamento?
A doença de Alzheimer envolve as proteínas beta-amiloide e tau. A medicação aprovada agora age na primeira, fragmentando-a.
O aparecimento de placas de proteína beta-amiloide no cérebro é o primeiro marcador da doença e necessariamente está presente em pacientes com Alzheimer. Depois, ocorre uma neuroinflamação, e então se acumula a proteína tau, que pode levar a uma maior degradação neuronal e, consequentemente, a sintomas mais graves, como o esquecimento.
— O medicamento destrói a placa, depois vêm as células limpadoras do cérebro, as micróglias, e em cerca de um ano e meio de tratamento já não há mais placa no paciente. Em termos de cura, retirar a placa até causa alguma melhora, mas não tanta quanto desejada. Como a doença é muito complexa, por mais que se retire a placa, há ainda a proteína tau, que continua matando o neurônio, e hoje ainda não há medicamento que atue nesta proteína — diz o neurologista.
Em que casos o Kisunla é indicado?
A aprovação é destinada somente a pacientes com comprometimento cognitivo leve e demência leve relacionados ao Alzheimer, ou seja, somente para os estágios iniciais da doença, quando ainda há autonomia parcial e o diagnóstico foi confirmado com evidência da presença da proteína beta-amiloide.
— Hoje, o remédio ainda não é indicado para quem não tem sintoma. É aprovado para uso em pacientes que tenham queixa de memória comprovada no teste cognitivo, realizado em consultório, mas que ainda sejam quase 100% independentes. Porque se a pessoa já começou a perder independência, é sinal de que já está num estágio mais avançado, e o benefício desse medicamento nesse caso seria menor — pondera Borelli.
O Kisunla é capaz de fazer regredir sintomas que já estão aparecendo, como perda de memória?
Não. O Kisunla não reverte sintomas já instalados, como perda de memória, desorientação ou alterações comportamentais. O objetivo é retardar o avanço da doença, reduzindo a velocidade com que os sintomas pioram ao longo do tempo.
O medicamento aprovado tem contraindicação?
Sim. O Kisunla não deve ser usado por pacientes que tomam anticoagulantes, como varfarina, ou que tenham sido diagnosticados com angiopatia amiloide cerebral (AAC). Além disso, há cautela no uso em pacientes portadores do gene da apolipoproteína E4 (ApoE4), devido a maior risco de efeitos adversos.
O medicamento é injetável?
Sim. O Kisunla é administrado por infusão intravenosa mensal. Nos estudos clínicos, os pacientes receberam uma dose inicial de 700 mg nas três primeiras aplicações, seguida de 1.400 mg a cada quatro semanas. O tratamento requer supervisão em centros especializados.
Segundo Borelli, o medicamento é comercializado em ampolas de 20 ml, e em cada uma delas há 350 mg de donanemabe. As aplicações são feitas mensalmente e, a depender do caso, recomenda-se um aumento escalonado das doses para evitar efeitos adversos.
— Geralmente, após chegar à dose máxima, de quatro ampolas por aplicação mensal, realiza-se um novo exame de PET amiloide. Se não houver mais placas amiloides, é possível parar de utilizar o remédio — afirma Borelli.
Quando este medicamento pode chegar às farmácias?
Apesar da aprovação da Anvisa, ainda não há uma data definida para o início da comercialização no Brasil. A Eli Lilly precisa agora cumprir etapas regulatórias e logísticas, como a definição de preço com a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
— Ainda depende dos processos de precificação, mas se imagina que em cerca de três meses ele já esteja no mercado — acredita o neurologista.
Quanto vai custar?
No Brasil, o preço ainda será definido, mas nos Estados Unidos o tratamento custa cerca de US$ 32 mil por ano (aproximadamente R$ 182 mil), o que gera preocupação sobre sua acessibilidade.
— É difícil estipular qual será o valor aqui, porque às vezes o preço praticado no Brasil é muito menor do que o dos Estados Unidos, mas lá cada ampola custa cerca de US$ 750, o que fica caríssimo se considerarmos que a partir da quarta dose são utilizadas quatro ampolas — avalia o pesquisador.
Há outras opções semelhantes ao Kisunla?
Sim. Outro medicamento semelhante é o Lecanemab, também aprovado nos Estados Unidos e na Europa, que atua de forma parecida sobre as placas de beta-amiloide. No entanto, ele ainda não foi aprovado no Brasil. Ambos têm levantado debates sobre custo, eficácia clínica e acesso universal. Segundo Borelli, ainda são poucas as pessoas com a doença que seriam beneficiadas pela nova droga:
— Há um estudo mostrando que 5% dos pacientes que têm Alzheimer de fato se beneficiam desses medicamentos. O que eu vejo é que eles são um avanço na ciência. Com outras doenças, como câncer e esclerose múltipla, o primeiro remédio não foi o melhor, mas abriu portas para que se invista nisso e que se melhore cada vez mais.