Assisti com um pouco de atraso ao incensado Anatomia de uma Queda, francês ganhador da Palma de Ouro em Cannes, do Globo de Ouro e que concorre ao Oscar em cinco categorias. São duas horas e meia de um roteiro bem amarrado, que pode ser considerado chato para quem não gosta de ver uma obra repleta de diálogos, com ênfase nos personagens e em suas reações – especialmente nas da protagonista. E, durante a trama, ficou ecoando na minha cabeça a dificuldade de conhecer de fato uma pessoa, mesmo se for bem próxima.
O filme parte de uma entrevista, realizada no térreo da casa, de uma mulher que está produzindo uma tese sobre a escritora que conduz o filme, numa dinâmica de pingue-pongue. Só que a conversa precisa ser interrompida porque uma música altíssima começa a vir do sótão, onde o marido dela está trabalhando. O tom de provocação fica evidente. A pesquisadora despede-se e sai. Logo depois, o filho de 11 anos do casal vai passear com o cachorro nos arredores do chalé situado nos Alpes franceses e, quando volta, encontra o corpo do pai caído e ensanguentado na neve, próximo à janela do segundo andar.
A partir daí se desenrola o filme: ele caiu, foi morto pela mulher ou se suicidou? A esposa é indiciada pela polícia. E assim começa, de fato, o que dá consistência ao filme. Não há spoiler na minha descrição anterior, portanto.
O universo que permeia o julgamento e as versões contadas pelo advogado e pelo promotor sobre os fatos são pontos interessantíssimos do filme. A falta da câmera nas reações das pessoas também. O que importa é o que está sendo mostrado, como aquelas palavras tocam o espectador. Podemos conhecer a verdade, quando tudo o que temos sobre ela são narrativas e não evidências? O filho do casal é a única testemunha da história e as reflexões dele também têm similaridades com nosso dia a dia. Quantas vezes (e como) a gente julga os outros sem motivo ou direito de fazê-lo?
Se temos pouca objetividade nas nossas escolhas, temos menos ainda sobre o julgamento que é feito a nosso respeito. Estamos todos suscetíveis, em todas as interações.
O antídoto para isso, na minha perspectiva, é viver intencionalmente da forma que se quer viver — e sem precisar ficar mostrando muito por aí. Assim, vamos deixando espaços para as subjetividades, que fazem as pessoas se acostumarem a conviver com a dúvida.