Penso, logo escrevo.
Gostava de recortar figurinhas, guardar flores secas e guardanapos escritos com canetas coloridas,papéis de bala presos por clipes fosforescentes,gordinhos ou em tamanho mini. As páginas imprimiam esboços de uma menina que começava a se descobrir, com pequenas reflexões sobre as dores e delícias adolescentes. Ano após ano, as agendas ficavam maiores, com recortes do que fui um dia.Confidências, só para os muito íntimos. O grande barato do processo era poder escrever para si, uma espécie de relicário do que havia sido. Era secreta– algumas tinham chaves, repousavam em gavetas escuras e nunca podiam chegar às mãos de desconhecidos –nem dos muito conhecidos.
Penso, logo existo.
As ponderações eram sempre acompanhadas de muita introspecção e mistério. A tragédia maior era alguém conseguir acessar aqueles escritos, penetrar no íntimo daquele que os produziu. Ok, estamos falando dos anos 1990, mas, sim, isso já é literalmente coisa do século passado. Naquele tempo, ninguém falava em sororidade, mansplaining, manterrupting, gaslighting e era preciso revelar fotografias para ver se a pose tinha funcionado. À medida em que escrevo sobre isso, tenho a impressão de que esse universo com um quê de reclusão está cada vez mais distante – e, controversamente, ao escrever, o resgato.Ah, a razão humana!
Penso, logo compartilho.
Conseguem imaginar, hoje em dia,com tantos recursos para dar voz aos nossos pensamentos, alguém guardar seus (geniais) pensamentos para si? É fato que a vida analógica, a uma certa distância,parece muito mais difícil. Dá para exercitar a letra cursiva e escrever textos a caneta, para que possam ser lido sou riscados numa segunda leitura? A urgência parece ter atropelado o processo, estamos fazendo o inverso do que as meninas com suas agendas: nossos segredos valem mais conforme os revelamos, para todo o tipo de desconhecidos,nas múltiplas plataformas que podemos acessar. E isso ficou ainda mais triste: não há sequer os clipes gordinhos para segurar (preservar?) nossas pequenas relíquias – elas não são nem diminutas (ai de quem ousar não dar a devida importância ao nosso prosaico cotidiano) –, nem são guardadas. Penso, logo sinto falta de um meio-termo. Aonde será que nos perdemos?