Assim como em muitos lugares do mundo, o litoral do Rio Grande do Sul já enfrenta uma contaminação expressiva por microplásticos (pequenas partículas com menos de 5mm de diâmetro).
É o que aponta um estudo realizado na Praia Grande, em Torres, no Litoral Norte, por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) que teve como objetivo avaliar a poluição por essas micropartículas.
Os resultados apontam uma média de 650 partículas de microplástico por quilo de areia. No mundo, esses valores variam entre dezenas e milhares.
Como esperado, as partículas menores foram as mais abundantes, e os tipos predominantes de plásticos identificados foram polietileno (PE), polipropileno (PP) e poliamida (PA). Os dois primeiros são os mais produzidos e utilizados no mundo; o último é um material muito comum na indústria pesqueira, motivo pelo qual era esperado que fosse um dos mais presentes.
Ainda que o Brasil tenha um extenso litoral, os dados sobre contaminação por microplásticos são escassos, segundo os pesquisadores. O estudo, publicado na revista científica Springer Nature, é um dos primeiros a identificar e quantificar os principais tipos de microplásticos nessa região litorânea do RS.
Foram coletadas amostras de areia em 30 pontos da praia. Elas passaram por processos laboratoriais como separação por densidades, filtração, digestão química e técnicas de microscopia de fluorescência para quantificar as partículas.
Impacto nos organismos
Idealizador da pesquisa em seu doutorado e especialista em micro e nanoplásticos, Kauê Pelegrini ressalta que a contaminação gera impacto nos organismos presentes nesses ambientes. As partículas trazem sempre algum nível de toxicidade, podendo resultar em efeitos letais ou subletais, como problemas de desenvolvimento dos seres.
A gente notou uma concentração relativamente grande. Então, é possível que com os microplásticos ali, na concentração em que estão, já esteja acontecendo algum nível de toxicidade em alguns organismos que moram ali na areia da praia
KAUÊ PELEGRINI
Idealizador da pesquisa e especialista em micro e nanoplásticos
Cadeia alimentar
Os microplásticos surgem da fabricação para uso comercial (geração primária) de itens de higiene, como esfoliantes ou algumas pastas de dente, por exemplo; e da degradação de plásticos maiores (geração secundária), como garrafas PET e sacolas, explicam os pesquisadores.
Os materiais podem entrar em ambientes costeiros e marinhos por meio do vento, da chuva e do transporte pelos rios. O plástico não descartado corretamente nas cidades também pode ir parar no esgoto e, posteriormente, na praia, que sentirá o impacto.
Por esse mesmo motivo, as maiores concentrações foram encontradas perto do Rio Mampituba, já que os resíduos ficam depositados perto da foz.
Os banhistas que estão na praia podem receber um pouco da influência dessas partículas. Além disso, elas podem ser transferidas para a cadeia alimentar — os peixes podem ingerir as partículas na água, e os seres humanos, por sua vez, ingerem de forma indireta.
Cenário preocupante
Os autores escrevem no artigo: "A concentração e os tipos de microplásticos são consistentes com as descobertas em outras partes do Brasil e do mundo. Esses resultados destacam a natureza generalizada da poluição por microplásticos e ressaltam a necessidade de esforços coordenados de remediação ambiental".
A ameaça dos microplásticos é preocupante devido à toxicidade e à quase invisibilidade, ressalta Pelegrini. A maioria não é visível a olho nu, o que torna mais complicadas a sua detecção e sua remoção. Há partículas no ar, invisíveis, que são inaladas e podem causar problemas respiratórios. A água também pode conter partículas plásticas, não captadas pelo sistema de filtro.
— Isso torna a poluição por microplásticos muito mais preocupante. Fica muito mais difícil de ser vista e muito mais difícil de ser tratada — sublinha Pelegrini.
Efeitos tóxicos
Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS e coorientador do estudo, Maurício Reis Bogo destaca que os resultados estão de acordo com o esperado.
O docente alerta que os microplásticos, quando ingeridos, têm consequências para a saúde, mesmo que de modo não tão direto. Já há relatos de microplásticos encontrados no corpo humano, por exemplo.
A ideia é que isso pode estar associado a algum tipo de efeito, se não direto, indireto, com algum problema de saúde amanhã ou depois, que ainda não foi investigado com essa profundidade. Mas, do ponto de vista teórico, é bem provável que exista algum efeito direto disso, já que nos modelos animais em que estão sendo testados, vários efeitos tóxicos já foram demonstrados
MAURÍCIO REIS BOGO
Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS e coorientador do estudo
Lacuna de informação
A pesquisa contribui para uma lacuna de informação, evidenciando que a contaminação já acontece em larga escala no planeta, salientam os pesquisadores. A expectativa é de que, de posse das informações, a sociedade passe a dar atenção a esse problema ambiental.
— Se ninguém fizer nada, essa concentração vai só aumentar. Fazer esse diagnóstico é extremamente importante para o nosso cenário brasileiro. Essa informação tem uma importância muito grande. Até para a gente poder fazer comparações (com outros lugares do país), o que está funcionando lá, mapear um pouco o Brasil nesse sentido — avalia Pelegrini.
Prevenção da contaminação
Ações para frear esse cenário são urgentes, alertam os pesquisadores. O uso adequado do plástico e a reciclagem impactarão, no futuro, as quantidades encontradas. A prevenção da contaminação das áreas costeiras deve ser uma prioridade, com limpezas regulares nas praias, defendem eles.
— Todo mundo tem sua parcela de culpa — aponta Pelegrini, citando a sociedade que polui, empresas que não praticam a logística reversa necessária e o mau acondicionamento de resíduos sólidos nas cidades.
Os autores do estudo defendem a necessidade de planos de gerenciamento de resíduos mais eficientes e de um esforço para evitar a poluição e, desta forma, proteger os ecossistemas costeiros. A educação ambiental é um fator crucial para esse cenário, ressalta Pelegrini.
— É uma série de fatores que já resolve o problema do macroplástico e, por tabela, consegue resolver ou minimizar, pelo menos, o efeito de microplásticos também — sugere.
Mudança de rumo
Há ainda outras políticas que podem ser adotadas, diz o pesquisador: na Europa, a legislação proíbe microplásticos primários — algo em que o Brasil está atrasado e poderia investir; estipular políticas mais eficientes para reduzir o uso de itens descartáveis; e incentivar o retorno de embalagens plásticas por meio de pagamentos.
— Nossa expectativa e da comunidade científica, que vem trabalhando nisso, é fazer uma mudança de rumo. Tirar o plástico do dia a dia vai ser impossível, por todas as vantagens que oferece, mas o destino depois tem de ser a reciclagem, tem de ter uma conscientização.