Estou tentando finalizar o ano sem rir das notícias que têm dominado o país nas últimas semanas. Não que eu ache que seja adequado, mas os acontecimentos têm sido mais engraçados do que muitos filmes em cartaz no cinema. Vai desde o homem que acidentalmente tirou a própria vida com fogos de artifício no Palácio do Planalto, até a moça que se recusou a ceder seu assento no avião para uma criança chorosa, o que lhe garantiu 2 milhões de seguidores. O enredo parece sair de uma novela, mas a última protagonista foi ainda mais além: em meio a um sequestro, ela não se preocupou com o perigo de perder a vida, mas com o tanto de coisas que ainda tinha para fazer naquele dia.
A verdade é que todos nós odiamos imprevistos. Ninguém sai de casa esperando que seus planos sejam interrompidos por um sequestro. A vítima da vez, uma senhora, passou 40 minutos com uma faca no pescoço. Porém, ao relatar o ocorrido, ela revelou que o que mais lhe incomodou foi perder a sessão programada de pilates e não conseguir organizar a festa da neta. Embora a situação pareça absurda, há algo aqui que nos leva a uma reflexão levemente perturbadora: estamos tão sem tempo que já não temos tempo nem para sentir medo.
Augusto Cury, no livro Ansiedade, descreve o conceito do SPA — a Síndrome do Pensamento Acelerado. Com tanto a se pensar, não conseguimos processar o que acontece ao nosso redor de forma clara. Estamos tão imersos em nossas agendas e responsabilidades que nos tornamos prisioneiros do tempo, sempre correndo contra o relógio. Nesse cenário, até o medo se torna um estorvo, algo a ser deixado de lado como se fosse irrelevante. Mas ao ignorarmos nossas emoções, corremos o risco de perder o controle das situações e, por consequência, da nossa própria vida. Não que a gente tenha muito controle sobre qualquer coisa, aliás.
A história da senhora nos obriga a refletir sobre a pressão constante em nossas vidas. O medo de perder tempo, de deixar algo inacabado, nos faz minimizar ou ignorar riscos reais – como se reconhecer um problema fosse uma perda de tempo. A ironia é que, muitas vezes, o medo ou o desconforto é o que nos lembra da importância do momento presente, da necessidade de parar e refletir sobre o que realmente importa. Um exemplo simples: ninguém quer perder tempo tendo que fazer exames de urgência dos rins — ao mesmo passo que a maioria não bebe o tanto de água recomendada para um dia.
E a pergunta que fica é: quando começamos a viver tão apressadamente, sem tempo para sentir medo, refletir ou respirar? O que estamos sacrificando em nossa busca incessante por compromissos e resultados? Ao tentar ser eficientes, estaremos deixando para trás nossa humanidade, nossa capacidade de nos conectar com o que realmente importa?
Este é um convite para desacelerar, para dar mais espaço ao medo quando ele surgir, não como um obstáculo, mas como um sinal. Talvez seja hora de refletir mais devagar, de dar importância aos pequenos detalhes que, por mais insignificantes que pareçam, são os que realmente dão sentido à nossa vida. Afinal, não há mais tempo a perder.