Lá atrás, no primeiro trimestre, dei uma palestra em que eu disse que esse ano seria de muita chuva. Regido pela lua, 2023 tem feito jus ao satélite que influencia nos oceanos e consequentemente em nós, formados 70% por água. De quebra, a santa padroeira não poderia ser outra — no mínimo até o fim de dezembro, Iemanjá é quem nos guia. E para fechar o combo do “não foi por falta de aviso”, o ano com grande inclinação ao feminino definitivamente é todo dela, independente dos inúmeros avanços que insistamos travar: a mãe natureza nunca chorou tanto.
Parece até discurso do 5º ano B que faz cartaz em cartolina colorida para explicar sobre como o aquecimento global de repente evoluiu para ebulição global. Acontece que o quinto ano sabe melhor do que ninguém: estamos nos autoconsumindo e não é de hoje. Dias atrás, um apagão deixou paulistas no escuro por mais horas do que o imaginado. Foram tetos de postos de combustíveis desabando tão facilmente que pareciam maquete feita de isopor. Importante lembrar que isso aconteceu menos de dois meses das enchentes que redesenharam o interior do Rio Grande do Sul. Dentre tanto que mudou por força maior, também escuta-se agora uma nova conversa de elevador: “não para de chover, né?”.
Tal qual uma criança que desenha a mãe natureza chorando diante de um desmatamento, sempre que tem chovido eu penso sobre a dor que temos causado para nós mesmos. Se há inverno em novembro e um sol de assustar até mesmo ventiladores em pleno julho, alguma coisa saiu do controle (ou várias). De fato, nunca esteve tão quente. Entretanto, constatar (e reclamar) o óbvio não altera muita coisa. Pior ainda é chamar os dias cinzas e chuvosos de dias feios, sendo que diante da atual situação a gente deveria só agradecer mesmo por ainda termos dias a viver.
Hoje, cai na conta a dívida que carregamos por décadas. Depois de tanto gastar, quem sabe tenha chegado a hora de pagar o que devemos e nos contentar com o pouco que ainda resta. E sem reclamar, viu? Até porque, construímos isso, sustentamos práticas ruins enquanto falávamos de sustentabilidade — mas só no tema da redação mesmo. Por aqui, o vizinho ainda mistura lixo orgânico com seletivo e eu continuo insistindo para o motorista de aplicativo que o tempo está louco. Errado, né? Loucos mesmo sempre fomos nós.