Assisti ao último filme derivado das histórias da Dama do Crime, Agatha Christie. Diferentemente dos anteriores, Noite das bruxas me chamou a atenção por fugir daquela receita base intrínseca aos mais de 80 outros títulos da escritora. Nas telas do cinema, além do desenrolar policialesco protagonizado pelo inconfundível Hercule Poirot, o que vi foram elementos sobrenaturais que fizeram até mesmo o detetive se confundir: o que é e o que não é de fato real?
Uma das principais características do protagonista bigodudo sempre foi o ceticismo. Aqui, preso em uma casa (que dizem ser assombrada) junto dos possíveis suspeitos por mais de um crime que acontece na mesma noite, Poirot é categórico ao afirmar que nada que se apresenta por ali passa de puro charlatanismo.
Não sei se era a proposta, porém fui um pouco mais a fundo. Não só aceitei a teimosia do detetive em duvidar de quaisquer elementos sobrenaturais, como passei a me questionar se isso não seria uma metáfora implícita. A camada que descobri foi talvez a de Poirot que, entrelinhas, procura dizer: o sobrenatural é o de menos, ou melhor, inofensivo. O verdadeiro vilão e a real maldade estão nas pessoas – ainda vivas, no caso.
Fossem os gritos espalhados pela casa, que foi cena de algumas mortes, fosse o cantarolar de crianças aparentemente desencarnadas, fosse a sessão espírita embalada por um show de luzes e efeitos no timing exato para gerar o clímax, Poirot negou-se a acreditar que estava pela primeira vez diante de um caso que fugisse de sua alçada. Sem estragar o filme em si ou até mesmo o seu final, é claro. Tão somente o mesmo personagem já tão conhecido batendo o pé uma, duas, três vezes... Mesmo que, em silêncio, o autoquestionamento permanecesse: e se o irreal estiver acontecendo?
Talvez não fosse essa a proposta do filme mesmo. Acontece que, ao mergulhar nessa hipótese de uma mensagem implícita, virei o detetive do cenário ao meu próprio redor e me vi, também, repleto de questionamentos. Oras, se existe algo pior do que fantasmas e espíritos que nos assombram e perseguem, isso com certeza são as pessoas espalhadas por aí e os demônios que cada uma carrega consigo.
Trazendo tudo ainda mais para a superfície, saí da sessão com uma última dúvida: quando é que deixamos de sentir medo pelos cantos escuros da sala de cinema durante um filme de terror e passamos a temer mesmo os outros, quase sempre sentados em uma poltrona tão próxima da nossa?