

A segunda-feira foi chuvosa, o clima foi cinza. Quando a notícia chegou, lembrei das vezes que o via passar em frente ao meu trabalho. Eu assistia seu corpo magro cruzar a rua sem conhecê-lo de verdade, e não é estranho pensar como cada pessoa guarda uma história consigo? Em meio ao caos de todas as informações que chegavam em descontrole, um amigo tentou tranquilizar: "essas gotas de chuva são respingos de champanhe das nuvens... Uma pessoa linda acaba de chegar lá em cima, estão comemorando".
Leia mais
Pedro Guerra: reforma íntima
Rosé: estilo de vinho é a cara do verão
2017 terá mais feriados prolongados do que 2016. Programe-se!
Percebi que cada pequena tragédia forma aquilo que somos. A dor nos edifica, nos prepara. Quando fui diagnosticado com depressão no final de 2015, eu sabia que nem tudo estava tão bem assim. A doença não chega em vão, e para mim – como em muitos casos –, veio como consequência de um acúmulo. Para quem não sabe, o start se dá após uma frustração ou decepção com qualquer fato (ou diversos deles). Nós tentamos ser fortes, procuramos pensar que a vida é tão grande e devemos vencê-la. Porém, existem forças muito maiores do que nós. A depressão é o dia depois da tristeza, e para isso nunca estivemos preparados.
Sim, somos aptos a desafiar a dor todas as vezes que ela chega, e muitas vezes vencemos. Porém, quando uma perda se aproxima, entendemos que a dor não é singular – ela deve ser sentida em conjunto. A principal lição que fica é que a dor tem que ser compartilhada antes que percamos outra vez, e falo no plural porque nenhuma perda é justa. Nenhuma perda é estritamente pessoal.
Em momentos como este, sentimos tudo ao mesmo tempo, mas principalmente sentimos que fracassamos. Havia uma voz ali que buscava ser ouvida, que gritava por socorro na frequência mais baixa. Que vontade de atravessar a rua, de doar um pouco de amor e enfim conhecê-lo. Hoje, tarde demais, nós sentimos a dor que não era nossa, mas que agora é. Mais ainda, hoje sentimos saudade.
Depois de segunda, pensei em reunir alguns amigos e pedir um minuto de silêncio. Contudo, exatamente agora, o nosso sinal de respeito é fazer barulho. Quanto mais, melhor. Então falem, questionem, demonstrem interesse. Não vamos permitir que nenhum silêncio seja bem-vindo, que nenhuma dor seja desconsiderada. O ser humano é capaz de curar, todos nós temos o dom de salvar quem quer que seja. Então, mais barulho, por favor.Engolindo o choro e ainda sentindo a chuva que às vezes nos brinda, agora eu tenho certeza: era champanhe, sim. E sempre vai ser.