

Era sábado à tarde e eu estava perdido entre títulos, capas e sinopses dentro de uma grande livraria da cidade. O processo de escolha de um livro novo é quase que um ritual, e por isso o momento também exige silêncio e introspecção. Em meio a tantas opções, automaticamente bloqueamos tudo o que acontece a nossa volta. Eis que, ao meu lado, escutei em bom som a voz de um pai comandar os seus dois filhos. Na porta da livraria, trazendo-me de volta do meu mergulho, ele disse: "Vão, façam a festa, 30 reais pra cada um!".
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Com um livro em mãos e o rosto virado para o pai sorridente, sorri junto. Mas, agora, rebobinando a cena por aqui, confesso: eu queria mesmo era agradecê-lo. Não quero cair naquele papo de que livros são mais importantes que brinquedos e tudo mais, pois cada qual tem seu significado, porém o momento foi de gratidão. Para os seus filhos, que saíram correndo loja adentro, e para mim, que fiquei ali sorrindo, imóvel.
Quando eu era pequeno, eu tinha bem mais brinquedos do que livros. Era pista de corrida da Hot Wheels, o último brinquedo lançado pela Estrela, o combo dos clássicos (Detetive, Banco Imobiliário, Imagem & Ação) e por aí vai. Com o tempo, foi-se o tabuleiro de Ludo e o balde de Lego. Hoje, eu não tenho nenhum daqueles meus brinquedos comigo. Em compensação, muitos livros da minha infância e pré-adolescência permanecem.
Diferentemente do brinquedo, o qual enjoa meses depois do lançamento, o livro se firma como item atemporal. A minha leitura de Dom Casmurro, por exemplo, foi bem diferente de 2005 para 2014. Diz aí: quem nunca pegou o exemplar de O Pequeno Príncipe alguns anos mais tarde para entender uma mensagem totalmente diferente? Com o tempo, o livro se reinventa e nós nos reinventamos junto.
Naquela tarde, percebi que eu estava em uma das lojas de brinquedos mais legal da cidade. Se ela fosse como todas as outras, talvez 30 reais não tivessem sido suficientes para que as crianças comprassem qualquer coisa. Se ela fosse como todas as outras, eu não teria presenciado uma das cenas mais simples, puras e incríveis da minha vida.
Melhor que ver criança feliz com brinquedo novo é ver criança feliz correndo atrás de livro. Melhor que ver pai dizendo "não, você já tem brinquedos demais" é ver pai dizendo "vai, escolhe um livro". E brinca.