O escritor Pedro Guerra pode ser descrito como popular. Aos 24 anos, ele já publicou quatro livros. Somente no ano passado, foi convidado a conversar com estudantes de cerca de 30 escolas diferentes que adotaram essas obras, em Caxias, Bento Gonçalves e Passo Fundo. Acumula mais de 15 mil curtidas em sua página de autor no Facebook, e cada post lá ganha outros tantos likes.
Seu livro A Rainha Está Morta está indo para a quinta edição, e sua mais nova experiência literária, a publicação em capítulos do romance 24 pela plataforma digital Wattpad, conquistou outros milhares de leitores. Engana-se, porém, quem pensa que sempre foi assim.
Confira as últimas notícias do Pioneiro
- O pessoal me vê e diz "nossa, você é escritor, devia ser superpopular na escola, ter milhares de amigos". Não, era bem diferente - conta Pedro, que há poucos dias fez uma postagem sobre nas redes sociais sobre ter sofrido bullying na adolescência.
As 1,7 mil curtidas desse post sobre o período em que ele era um garoto tímido e gordinho comprovam: as coisas mudaram. O menino que tinha dificuldades para apresentar um trabalho na escola realizou o sonho de ser escritor e agora conversa descontraidamente (embora com um friozinho na barriga) com centenas de adolescentes de uma só vez, reúne 70 leitores-fãs em sua casa para comer brigadeiro e ouvir em primeira mão o último capítulo de uma história e não para de fazer planos.
Na última semana, Pedro conversou com o Pioneiro sobre sua vida, sua carreira e o que vem por aí - incluindo a possível publicação em papel de 24 e a sua continuação.
Confira trechos da entrevista:
Você é um dos escritores mais lidos de Caxias nesse momento. A que você atribui isso?
Pedro Guerra: Eu atribuo ao trabalho que venho fazendo desde o meu primeiro livro, de construção do meu time, que são os meus leitores. Sábado mesmo eu fiz um evento lá em casa, o brigadeiraço, e convidei meus leitores para ler o último capítulo de 24 para eles antes de ser postado, com exclusividade. E eu disse a eles, "olha, esse livro, assim como todos os outros, não existiria se não fosse por vocês". Porque foram eles que me incentivaram, leram, comentaram. Às vezes parece que tem tanto escritor surgindo, tanta coisa acontecendo, e tu é só mais um. Então se eu cheguei a algum lugar, claro que tem todo um trabalho de uns seis anos como escritor, todos os dias eu faço alguma coisinha para ir se somando, mas só porque eu tenho essas pessoas que acabei por fidelizar. Elas são minhas amigas.
E como é essa interação com o público?
Ela começou ainda antes de eu lançar meu primeiro, com um blog. Claro, a gente vai se atualizando, o público hoje está no Facebook, então transferi meus textos, meu conteúdo para o Face, mas o blog está lá, quase como um baú. Também tinha um grupo fechado de leitores no Face, os meus "guerreiros", faz mais ou menos um ano a gente virou um grupo no whats e conversa todos os dias. Ali a gente combina eventos, está sempre em contato. É incrível, às vezes eu entro e tem mil e tantas mensagens não lidas. Mesmo com algum atraso, eu tento responder para todo mundo. Outra coisa que comecei há pouquíssimo tempo é o Snapchat, com vídeos curtinhos do dia a dia. É um canal novo para divulgar o meu trabalho, diferente do YouTube, que eu também tenho. Agora tem o meu Wattpad também. Procuro estar onde o público está.
Por que, depois de quatro livros em papel, você resolveu voltar para a plataforma online?
Tem muita gente que escreve no Wattpad e eu nunca tinha escrito nada ali. Estava com essa ideia de livro na cabeça, porém já tinha lançado dois em papel no ano passado, Precisava de Você e Queda Livre, e queria escrever agora. Sabia que ia ser uma experiência totalmente diferente, pois ali você pode postar de capítulo em capítulo e já tem a reação imediata do público. Foram dois meses em que, a cada capítulo postado, ia criando um novo público, um público que está ali no Wattpad e ainda não era meu leitor, e os meus leitores que migraram para a plataforma também. Agora eu vou atrás de transformar o livro em papel. Mas apesar de ter quatro livros publicados, um livro novo é sempre um desafio.
As manifestações de leitores em sua página no Facebook, mostram que muitos adolescentes têm você como modelo...
Eu nunca pensei que eu ia ser modelo para alguém. Sempre tive medo de escola, pois foi um lugar em que eu vivi meus momentos mais difíceis. Precisei vencer minha timidez para conseguir começar meu trabalho de escritor. E agora volto para as escolas e vejo que há adolescentes se identificando comigo e com os personagens. No brigadeiraço, uma menina me disse "muito obrigada por criar um personagem mais trouxa no amor do que eu". E por eu ser jovem, eles veem uma possibilidade de realizar o sonho deles também, veem que não precisam 30, 40 anos para realizar um sonho. Sempre tento passar isso quando eu vou nas escolas, de que independentemente de qual for o sonho da pessoa, se ela quer muito, vai conseguir.
Fale um pouco sobre esses momentos difíceis.
Eu era um menino gordinho, mas o problema não era esse, tenho vários amigos gordinhos que são alto-astral, com mil amigos. Mas aquilo me impedia de seguir em frente, porque eu não gostava de quem eu era. E sofria bullying na escola, chegava em casa e o jeito (de esquecer) era comer, comer. A pior fase foi dos 12 aos 18 anos, e não era só por peso, era por tudo, por eu ser tímido. Eu travava na frente das pessoas, não conversava com ninguém, tinha vergonha até de apresentar trabalhos. Usava uma franjona, porque queria me esconder das pessoas. Naquela época surgiu o Justin Bieber e ele tinha franja, daí eu era chamado de Justin Bieber. Se eu ia de All Star para a escola, diziam que era emo, tinha umas coisas tão idiotas... Faço terapia até hoje, e agora eu vejo que poderia ter passado por tudo aquilo de uma maneira diferente. O bullying só cresce por causa do teu medo, quando mais essas pessoas que fazem bullying veem que você está sendo suscetível, mais elas fazem, e mais tu vai perdendo a tua voz. Foi o que aconteceu comigo. Eu andava encurvado, tinha vergonha, e até hoje tenho a postura toda errada por causa disso. São marcas que ficam, mas é bom você ter essas marcas, mostram que passou por isso e acabou melhorando. E eu mudei totalmente, porque eu tinha o meu sonho, e ele exigia que eu me comunicasse com as pessoas.
Como foi essa mudança?
Quando eu saí da escola, percebi que não tinha mais aquelas pessoas na minha vida. Eu me senti mais seguro, mais pronto, e pensei, "eu preciso começar o meu futuro, decidir a minha vida, e não vou mais deixar que os outros decidam por mim". Porque nessa questão de bullying, as pessoas acabam decidindo por você, porque você dá voz a elas, se deixando atingir. Eu disse chega. Me olhava no espelho e pensava, quero ser totalmente diferente. Tinha muita coisa que eu queria passar para as pessoas, e eu não conseguia fazer nada disso assim. Em três meses eu perdi 23 quilos, mas da forma errada, porque parei de comer. Foi o primeiro choque de "vida adulta", ver como as pessoas mudam contigo a partir da tua aparência. E eu sempre fui o mesmo, o Pedro lá do colégio e o Pedro de hoje são a mesma pessoa, a única diferença é que sou hoje comunicativo, consigo falar, consigo me expressar. Mas eu vi naquele momento como para a sociedade é importante essa coisa tão idiota que é a aparência. Tudo começou a mudar ali, eu escrevi meu primeiro livro, mostrei a cara, e comecei a ter amigos, porque até então eu não tinha amigos. Foi um mix de transformações, tudo ao mesmo tempo. Eu ter me formado em Comunicação Social, ano passado, também é bastante estranho pra mim, porque eu nunca pensei que ia ser comunicador. A gente vê como é possível mudar a partir do nosso sonho, e acho que é por isso que os adolescentes acabam se identificando, porque todo mundo tem um sonho.
Você ainda tem contato com quem praticava bullying contigo?
Até hoje eu vejo muitas pessoas daquela época, e não comento nada. Muitos me adicionaram no Face. Tem todos os tipos, tem aqueles que vêm me cumprimentar, parabéns, você é escritor, blábláblá, e eu falo muito obrigado. E tem quem nem dá oi, mas eu sei que ele me vê ali. Aquela coisa de passar na faculdade, um do lado do outro, se olhar, eu estou ali, totalmente disposto, depois de tudo, a dar um oi e conversar, e a pessoa passa reto, mas estou convicto de a pessoa viu que eu segui meu trabalho e sabe quem eu sou.
E hoje, no que isso influencia no teu trabalho?
Eu quero que as pessoas conheçam meus livros, mas não quero que o Pedro Guerra seja o centro. Acho que quem sofreu muito bullying, não só eu, acaba sendo superpopular, só que ao contrário, e a última coisa que essa pessoa quer é ser o centro das atenções. Até hoje, quando eu vou nas escolas, quando entro no palco e vejo todas aquelas pessoas me olhando, eu penso, "Meu Deus!" Eu não saio falando aos quatro ventos que sou escritor, ainda tenho um pouco de vergonha, de receio. Eu não quero me botar no foco das atenções para que as pessoas pensem "o Pedro é famoso". Eu não quero ser famoso, isso é muito passageiro. Eu prefiro ter o resto da vida uma carreira mediana do que ter um supersucesso, os livros estourarem, e depois caírem, que é o que vem acontecendo com muito bestseller hoje, é algo muito efêmero. Eu quero estar com 80 anos e escrevendo para os mesmos leitores e os novos, eles indo na minha casa para a gente comer brigadeiro. Porque eu acho que é isso, quanto mais um escritor conseguir ser amigo do leitor, mais vai dar certo seu trabalho.
Falando em preconceitos, 24, seu livro virtual, é centrado numa história de amor homossexual. Você sentiu alguma reação contrária do público?
Sempre gostei de fazer romance adolescente, acho que é o que eu sei fazer melhor, até mais que policial, flui mais. Quando tive a ideia de 24, ia ser menina e menino (no casal protagonista). Depois pensei, o amor acontece de todos jeitos, de todas as formas. Eu nunca quis que fosse encarado como "é um romance gay", porque em nenhum momento eu tratei de questões como preconceito. Eu tratei como um romance como todos os outros, porque é um romance como todos os outros, só que acontece entre dois meninos. E o público levou isso muito naturalmente, torceu, formou casais entre os personagens, deu nomes. Por exemplo, tinha o Thomas e o Henry, daí criaram "Thenry", escreviam, "eu quero que Thenry fique junto no final". Não foi uma coisa didática, de um casal homossexual que enfrenta barreiras e no final fica junto e dá tudo certo, até porque quem chegou ao final sabe que o final é triste. A maioria dos meus leitores foram meninas, e elas acabaram se identificando da mesma maneira, pois os dramas são os mesmos. O amor é universal.
Quais são os teus projetos para o futuro?
Agora eu vou atrás da publicação física de 24. E em maio pretendo lançar, também no Wattpad, 48, que é a continuação de 24. E quero muito escrever um livro sobre bullying, mas não quero um livro didático, nem "um livro sobre o Pedro", sobre a minha história. Esse vai ser um desafio, fazer um livro tão pessoal de forma a que as pessoas se identifiquem. Não comecei a escrever nem planejar nada, mas seria muito bacana trabalhar com ele nas escolas, mostrar esse outro lado do bullying, não falar "não faça bullying com o coleguinha". É diferente quando veem alguém que passou por isso e deu a volta por cima. E tenho umas 15 ideias de livros novos na cabeça. Além disso, pretendo começar ainda este ano a ministrar cursos de criatividade e escrita criativa para meus leitores, e curso de divulgação para escritores. Vou ainda começar uma pós-graduação em Marketing, na FSG. Sou muito ativo, preciso estar fazendo muitas coisas ao mesmo tempo.
