
No mapa do novo ano astrológico, o tema da saúde também se impõe pela ascensão do planetoide Quíron na linha do horizonte. E mais: Quíron repete agora a mesma posição zodiacal da data da independência do Brasil. Por essa ênfase, o país tende a reviver as dores de suas chagas mais profundas como nação. A própria cura a ser buscada para a Covid já expõe a ferida antiga de um povo que, embora viva num dos países mais ricos do mundo, jamais se sente dono da riqueza. Pior: o brasileiro não se percebe senhor do próprio destino! No mapa astrológico do Brasil, Quíron está em Áries, na área associada aos recursos naturais e ao potencial econômico. Ricos porém pobres? Precisamos entender Quíron.
Esse astro foi descoberto em 1977. Um corpo estranho entre as órbitas de Saturno e Urano: grande demais para ser asteroide, pequeno demais para ser planeta. Foi chamado, então, pelos astrônomos, de planetoide e batizado com o nome de um famoso curador da mitologia grega. Quíron era um centauro: meio homem, meio cavalo. Apesar de sua origem trágica – nasceu de um estupro e foi rejeitado pela mãe –, tornou-se um sábio professor e curador, mentor de grandes heróis, como Asclépio, o patrono da medicina. Um dia, esse sanador foi atingido acidentalmente numa coxa por uma flecha embebida num veneno sem antídoto. Quíron não conseguia curar a si mesmo e nem mesmo morrer, já que era imortal. Eis o tema universal do curador ferido: dar ao outro o que não consegue dar a si mesmo.
Num mapa astrológico, a posição do astro Quíron indica a área de nossa vida em que sempre lateja uma ferida existencial e injusta. É um ponto de dor e revolta sem explicação racional. Afinal, como no mito, coisas ruins acontecem também aos bons. E há algo a ser negado ou compensado aí. A ferida quironiana tanto poder gerar a sensibilidade à dor alheia quanto uma raiva oculta pelo próprio desvalimento. No Brasil, em cujo mapa Quíron recai numa área de autossustentação e economia, a ferida vem da própria formação histórica de seu gigantesco e rico território explorado por alheios.
Os primeiros brasileiros nasceram do estupro das índias pelos brancos portugueses. Os povos autóctones foram barbaramente seviciados. Aí vieram os negros escravizados, com a ferida do cruel açoite na própria pele. Nunca houve a intenção de um Brasil para uma população mestiça sem lugar social. Ser brasileiro envolvia servir a um rei distante, ao donatário da capitania, aos sucessivos patrões. A política nunca emanou do povo e para o povo. Daí sermos uma gente sem consciência definida, Macunaímas ainda sem um caráter. Vemo-nos deformados até no imaginário: mulas sem cabeça, sacis sem uma perna, caiporas pela metade, curupiras de pés ao contrário. E essa ferida sangra em nossa condição de vira-latas ou na soberba compensatória de nossas vaidades e ganâncias.
O retorno de Quíron no mapa do Brasil expõe sua injusta estrutura econômica, mas também aponta para redenções. Se o ódio reeditou o mito do governante branco autoritário, também vemos o emergir de nosso negado fundamento identitário mestiço. Um Brasil profundo, que não aceita mais a oportunista confusão de cidadania com poder de consumo, vem despertando em dor e ânsia de grito. Neste ano, mesmo em carne viva, urge lutar pela cura. Urge despertar para a consciência de que a suprema riqueza de um país é, antes de tudo, o seu povo. Chega de trocar nosso ouro por espelhos distorcidos. O Brasil é nosso, torto como é. E precisamos lutar pela vida, contra a barbárie.