
Dezembro sempre convida a balanços e inventários. Mesmo sem querer, somos envolvidos na vibração coletiva do encerramento de um ciclo no calendário e da abertura de um novo. E o que dizer do dezembro de um ano pesado como 2020? Só queremos saber até quando vai esse estado de vida em suspensão. Adianto que há mudanças importantes nas configurações celestes, que devem sinalizar movimentos intensos cá embaixo. Comentarei isso em outra crônica. Hoje, sem querer jogar água fria nos mais afoitos por retomar as rédeas da vida, convém dizer que as aberturas possíveis de 2021 dependerão dos aprendizados e atitudes de 2020. Ainda que a tão falada conjunção de Júpiter, Saturno e Plutão logo se desfaça, seus efeitos seguirão reverberando. Por isso, não há como escapar dos inventários.
Ano passado, em texto publicado aqui dia 28 de dezembro, sob o título “Outro ano intenso”, chamei o então vindouro 2020 de “realista, restritivo e algo radical, mas transformador”. E lancei a pergunta: “Fim de uma era?”. Referia-me ao efeito da citada conjunção tripla em Capricórnio, que poderia significar, em nível global, “a hora crucial de encarar a fatura relativa ao custo de sustentação do modelo de produção e governo”. Avisei: “O efeito da conjunção é longo e transformador, não se resumirá a eventos pontuais de 2020”. E especulei que este ano favoreceria “ações disciplinadas e trabalho sério – sem vez para riscos e ilusões”. Errei ao imaginar que as duras crises do ano viriam por conflitos econômicos ou políticos, até por alguma guerra. E aí veio, logo em janeiro, uma impensada pandemia, num típico arranjo de Plutão, o senhor da morte. O desenrolar dessa história, todo mundo sabe. O que nem todo mundo quer saber é que essa história ainda não terminou.
Neste dezembro, a realidade se impõe: ainda sem controle do vírus, seguimos contando os mortos diariamente. Como o elemento desencadeador desse impasse mundial (a ameaça coletiva de morte) associa-se a Plutão, podemos dizer que veio do reino instintivo da vida um freio para os rumos humanos. Podemos encarar o vírus como uma reação da natureza a nossa arrogante e predatória ação sobre o ambiente. Cientistas como James Lovelock diriam que é um movimento reparador de Gaia, nosso sistema vital planetário, que age para manter-se em equilíbrio – e reage ao que fere esse estado.
Logo após o terror da mortandade em seu país, em março, o sociólogo italiano Domenico De Masi escreveu: “A marcha a ré e os freios que a cultura neoliberal se recusou obstinadamente a usar agora foram desencadeados: não graças a uma revolução violenta, mas sim a um vírus invisível que um morcego soprou sobre a sociedade opulenta, obrigando-a a se repensar”. Ah, sim, morcegos e cavernas são imagens ligadas a Plutão. E quando Plutão está envolvido em configurações tensas, como em 2020, os assuntos e decorrências não podem ser minimizados. Nada será como antes. Insisto, portanto, no que escrevi há um ano: precisamos rever nosso modelo de produção e de governo.
O vírus pode ser logo contido, mas as rachaduras em nossas estruturas éticas, sociais, econômicas e políticas já estão expostas. Fim de uma era, sim. Devemos encerrar este ano tendo aprendido, pelo menos, que a Terra não reconhece as hierarquias inventadas pelo egoísmo humano. Somos todos iguais nessa nave planetária, que é maior que nós. Precisamos de humildade e de união. Quem despreza o ambiente, o semelhante, a saúde, e até a vida, como pode pensar num próspero ano novo?