O Sol ainda brilha em Leão, mas nem o notamos, com esse escuro dentro da gente. Como não andar anoitecidos, se uma espessa sombra nos envolve e invade? Como vibrar na luz do otimismo, se o chumbo do real nos pesa e aniquila? Há mil motivos para lastimar, há a urgência do grito contra a marcha voraz de uma mortal insensatez. Como calar diante da banalização do mal? Sim, fomos feitos para esse tempo, companheiros: estamos vivos aqui e agora para enfrentar a fatal treva. Mas agora é quando mais precisamos buscar o Sol, como impulso pela vida, como fogo curador, como força de esperança. Sem o diferencial luminoso do Sol, corremos o risco de apenas rivalizar com a sombra, falando a mesma língua dela, até perigosamente parecermos com ela.
E onde estará esse Sol de consciência? Ora, se não o vemos no alto céu, pela névoa da noite que nos embaça, que o procuremos nas miudezas, vertido em toda forma de vida. Meu olfato já confirma: o Sol está no perfume que adentra a sala, vindo do jasmim florido na sacada do apartamento. Saio para melhor aspirar. Duas abelhas voam ao redor, sugando o néctar das florezinhas brancas. Que maravilha! A cena perfeita renderia um hai-cai, penso eu. O jasmim é do poeta, no nome, mas não sou poeta – e incapaz de reduzir a três versos, como manda a regra oriental do hai-cai, a grandeza dessa cena natural. Mas lembro que tenho alguns livros de hai-cais. Encontro um de Millôr Fernandes, outro de Domingos Pellegrini. E não é que os dois autores são do signo de Leão? Sol também é magia, companheiros!
Como poeta rima com profeta e enxerga na escuridão, folheio os livros em busca de imagens solares. Começo pelo Millôr: “Tem cautela; / ajuda o Sol / com uma vela”. Não falei que poeta é profeta? Cada pequena chama agora, cada ato de lucidez e cada reflexão são ações a potencializar a nossa heroica batalha contra as forças do mal. Talvez não seja ainda tempo de gestos épicos, a mudar tudo. Talvez seja mesmo o tempo de juntar cada lampejo, até formar uma possível nuvem de vaga-lumes. Até tecer uma rede de fogo que fulmine as trevas.
Mas essa espera... Esse tempo de imobilidade... Sabemos que não é fácil manter a fé, companheiros. Há dias em que a descrença se instala. É quando as sombras parecem vencer, e podemos pensar em jogar a toalha. Até o solar poeta experimenta isso: “Eis o meu mal / a vida pra mim / já não é vital”. Mas não há desânimo que resista ao surgir de outras luzes. E logo chegaremos à convicção de resistência: “É meu conforto / da vida só me tiram / morto”. Pois enquanto houver Sol, a vida vencerá a morte, o amor vencerá o ódio. Sempre foi assim, sempre assim será.
No livro do Pellegrini, a primeira página já me reconecta ao cheiro do jasmim que me tirou da cadeira: “Cê pensa que flor / flore pra quê? / Flor só flore pra quem vê”. É isso, precisamos treinar o olhar para perceber a beleza miúda da vida. E a vida está no presente. Diz o poeta: “Paz / nada pra frente / nem pra trás”. Nostalgias e ansiedades nos cegam para o que temos à mão. E no desalento, a rendição se insinua: “Tantos desistiram cedo / tarde demais, pensaram / e anoiteceram”.
Companheiros, sob o Sol de arte de Leão, devemos reavivar a luz pessoal, única em cada ser. Sigamos o leonino poeta: “Vou praticar-te / Arte Maior / de ser o que sou”. Munidos de Sol no peito, cada qual com seu dom, abriremos os braços e, juntos, faremos um outro país. Pois já percebeu o poeta, por nós: “Brasil, amo você / mesmo com tanto mas / e apesar de”.