Mensagem de um amigo que vive na Holanda: “Você, que é jornalista, me explica o que está acontecendo no Brasil? Leio notícias e me entristeço. Como é possível tanto absurdo?” Meu caro amigo, se eu for invocar os pressupostos racionais do jornalismo, acho que não te farei entender que a barbárie que nos ronda não é racional. A linguagem simbólica da astrologia me oferece outro parâmetro, ao mostrar que estamos sob um ciclo de um planeta associado a delírios e distorções. É alentador saber que tal ciclo vai passar (mesmo que não logo) e que carrega a promessa de algum aprendizado que nos torne mais compassivos e nos cure dessa desumanização escancarada. Só não sei até quando vamos insistir nas realidades paralelas que negam essa mudança.
Para que entendas, meu amigo, vou “astrologar” um pouco. O Brasil, nascido num 7 de setembro, tem o Sol em Virgem. Agora, de novo sob o signo da ordem, o país que tem essa palavra escrita na bandeira nada tem a dizer sobre ordem. Pelas evidências, talvez fosse melhor trocar o lema da bandeira para “desordem e retrocesso”. Pois o mapa brasileiro anda recebendo em cheio a vibração dissolvente e caótica de Netuno em Peixes, signo oposto. O resultado dessa tensão soa como uma contínua inversão do real, em que o absurdo vira regra e a perplexidade é geral.
O gigante gasoso associado ao antigo deus dos oceanos rege nossas faculdades transcendentes. Seu aquoso impulso é de dissolução das formas e limites rumo a um estado de unidade e fusão. Tudo é relativo em Netuno, daí sua regência sobre o signo de Peixes. Sua face brilhante aciona a compaixão e o amor universal, a entrega e a comunhão. Netuno é o sonho que sonhamos juntos, seja uma utopia, uma moda, um Carnaval ou uma crença messiânica. Porém, por envolver imagens, projeções e fantasias; por abarcar dimensões do espírito e do inconsciente, não é nada fácil lidar com Netuno quando faz ângulos tensos com nosso mapa – e o sonho vira pesadelo. É um planeta insidioso, que exige todo cuidado na travessia de seus ciclos. Seu efeito é tanto mais danoso quanto for nossa resistência à dissolução.
E aqui está o cerne do caos brasileiro. Ao invés de modificar uma velha ordem social virginiana, tornada segregadora, insensível e injusta, o alucinado Brasil prefere apostar em messiânicos salvadores que resgatem uma ordem fantasiosa do passado – e alguém já disse que temos um longo passado pela frente. Em seu pior efeito, Netuno age como um torpor emocional coletivo que faz a razão desaparecer. Fanatismos ideológicos e religiosos se alastram. Argumentos não valem, nem diálogos nem escutas. A onda é mitificar redentores e criar bodes expiatórios para deixar tudo como está. Intolerâncias viram armas para preservar os privilégios de sempre. Ordem? Como?
E então, meu amigo, imagine o Brasil sob essa turvação que nega o real e tendo que enfrentar os efeitos destrutivos da pandemia que apavora o mundo – crise mundial sincrônica ao encontro de Júpiter, Saturno e Plutão em Capricórnio. Não é de estranhar a péssima imagem externa do país agora. Aqui, nunca o jornalismo se tornou tão necessário, como luz contra a treva. De minha parte, otimista resistente, vou tentando buscar ajuda no lado bom de Netuno: o sonho dos poetas, as artes, as visões do espírito, as utopias de um mundo irmanado. Reflito sobre uma frase de José Saramago: “O caos é uma ordem por decifrar”. E vou devagar nesse nevoeiro, sabendo que também posso estar louco e enganado sobre tudo.