
Em um trecho do romance Gabriela, Cravo e Canela, de 1958, o leonino Jorge Amado assim descreve sua heroína: “Gabriela sentiu um arrepio. Era tão bom dormir com homem, mas não homem velho por casa e comida, vestido e sapato. Com homem moço, dormir por dormir”. Essa expressão da libido feminina deve ter contribuído para o rótulo de indecente que marcou a obra do escritor por décadas. Pelos tabus da sociedade patriarcal, não havia lugar para o desejo da mulher – e muito menos autorização para que ela mesma pudesse questionar isso. Felizmente, muita coisa mudou, depois de muitas batalhas delas. Em 2020, já podemos aplaudir, por exemplo, as vozes das também leoninas Natalia Borges Polesso e Djamila Ribeiro, cujos escritos corajosos ajudam a afirmar os direitos da identidade feminina. Identidade, criação, amor, dignidade e ousadia são temas de Leão. Mas, se este é um signo associado ao rei dos animais, o que dizer das leoninas num mundo ainda machista?
Figuras conhecidas da cultura de massa já dão pistas disso. Quem se atreve a domar uma Madonna? Ou silenciar uma Daniela Mercury? Ou diminuir uma Gloria Maria? Ou mesmo enrubescer uma Tatá Werneck? É bom pensar duas vezes antes de afrontar quem sabe ter o Sol dentro do peito. E azar dos que veem as leoninas pelas mesmas lentes desfocadas com que situam as mulheres numa condição de subalternidade. Esses deviam se lembrar da personagem Nala do filme O Rei Leão. Era ela que sempre ganhava do reizinho Simba na luta corporal, com seu golpe secreto de imobilidade. A coroa podia pertencer ao macho por tradição, mas adivinhe quem fazia o bando funcionar na prática.
Como a astrologia extrai da natureza a essência de sua simbologia, os desavisados sobre a garra das leoninas deviam pesquisar sobre o mundo desses felinos. Saberiam, assim, que as fêmeas é que se encarregam de caçar para alimentar todo o grupo. Com suas jubas exibidas, os machos se cansam rápido e ficam mais expostos. Por isso, eles cuidam da segurança do bando, enquanto as fêmeas vão à luta, habilidosas e estrategistas. Os machos podem ter mais força física, e divulgam isso em rugidos ouvidos a quilômetros, mas a estrutura do bando é matriarcal. As leoas garantem a linhagem, cuidam das crias umas das outras e podem bem descartar um macho e escolher outro. Leão esperto sabe disso e, embora no trono de governo, reconhece o poder de cada fêmea.
Sem deixar de impor respeito, as leoas preferem reger as condições para um clima feliz de festa na floresta. Como a ilustrar as tramas do signo, os leões são bichos que dedicam muito tempo ao prazer de viver. Caçam umas cinco horas por dia, o resto é ócio criativo. E amor em alta: podem procriar o ano inteiro, e não apenas em cios fixos. Que graça teria viver somente para comer e brigar pelo poder? Entre os humanos, leonino bem resolvido é aquele centrado no amor, que brilha mais ao reconhecer o brilho do outro – e os iguais direitos da mulher. Pois qual o mérito de governar pela força, sem amor?
Pensei nisso tudo ao ler sobre como a Nova Zelândia tornou-se modelo de condução da pandemia sob a gestão firme, mas zelosa e amorosa, da primeira-ministra Jacinda Ardern. Desconfiei que ela pudesse ser leonina. E é! Quanta diferença do macho belicoso e fanfarrão Donald Trump, que tem ascendente em Leão, mas nega o amor. Por tantos belos exemplos de mulheres no comando, fecho com o leonino Caetano Veloso e imagino um mundo “onde a gente e a natureza feliz / vivam sempre em comunhão / e a tigresa possa mais do que o leão”.