Olha pro céu, meu amor, e vê como ele está lindo! Aqui embaixo faz escuro, sem fogueiras nem São João. Tudo segue triste, sem xote e baião no salão. Por isso, meu amor, olha pro céu. Olha as estrelas, a luzir contra o fundo escuro do espaço. Elas já estavam lá antes de nós, luzes velhas que são – eternas até, diante de nosso tempo tão pequeno. E elas seguirão lá, brilhando indiferentes no breu, até muito depois de nós, até muito depois desse mundo. Então, meu amor, vamos ver e ouvir estrelas, na lição dos loucos poetas. Pois se há por aqui a insanidade que violenta e destrói, também há a loucura sagrada dos que imaginam luminosas narrativas para o nosso breve tempo de vida nesse planetinha azul.
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Olhemos pro céu. Neste sábado, debruça-se sobre o sul a noite mais longa do ano. Os antigos magos, que viviam de espiar a dança celeste de nossa estrela, o Sol, marcavam nessa época seu máximo passo ao norte. Chamavam esse ponto de solstício, querendo dizer de um Sol que ali estacionava para poder voltar. Viam nesse exato ponto a porta do céu do caranguejo, como se no andar do simbólico crustáceo tudo quisesse retornar ao que já fora, como se preciso fosse vir para dentro: para a morada da alma. E de novo cai a grande noite sobre o sul, meu amor, justo agora que os homens andam sombrios demais. Mas não se assuste. Os velhos magos já avisavam que somos espelhos do céu, que somos poeira de estrelas, que tudo é um e que somos tudo. No dia da noite mais longa, também é quando o Sol começa a regressar. Felizes os que sabem esperar.
Mas outros desafios se anunciam nessa longa noite, meu amor. Na madrugada de sábado para domingo, o Sol encontra a Lua, ali mesmo, na porta do caranguejo, no batente do inverno sulino. A Lua tenta esconder o Sol, em embate de eclipse, luz e sombra em confronto. Segure o medo, meu amor. Que uivem os lobos de sempre. Que instintos cegos aflorem. Que o escuro pareça se alastrar. Nós estaremos a salvo, na carapaça de nossos afetos, sob a colcha de retalhos de nossas memórias. Falaremos de antigas fogueiras, de sanfonas e rojões, de tanta gente amada, de tanta alegria. De repente, já não haverá treva que possa ameaçar o fogaréu de nossos corações. E lembraremos do que já diziam os velhos magos: que tudo passa, que tudo é ciclo, que tudo é movimento, assim na terra como no céu.
E os tais velhos magos, vigias das estrelas errantes chamadas planetas, também anunciam no horizonte outros ciclos de vagarezas e retornos. Até o final deste ano, muitos planetas parecerão, aos nossos olhos, andar para trás, na contracorrente do céu. Estarão retrógrados, diriam os magos. Quando é assim, convém diminuir o passo e examinar o caminho, convém também examinar-se desde dentro. E convém corrigir ações e esperar, esperar, esperar. O céu tem disso, meu amor, decreta também ciclos de introversões e revisões. Queiram ou não os ansiosos e soberbos humanos, desenha-se à frente um tempo de sérios ajustes. Futuro e passado colidem no presente. E é perigoso demais atropelar os tempos da vida.
Sim, meu amor, o céu não mostra sinais de leveza por ora. Mas já sabemos o que é leve, puro e bom. Sabemos o que eleva o humano, sabemos da força dos afetos e da compaixão. Vibremos nisso, então. Olhemos o céu do caranguejo, exalando cuidado e proteção. Esse zelo – por nós mesmos, pelos outros, pelo planeta – há de nos conduzir com segurança a dias de luz e calor. Porque o Sol, ainda que lentamente, já começa a caminhar de volta para o sul.