Numa dessas manhãs frias, caminho pela cidade apressadamente. Subitamente, uma cena me chama atenção. Um gari recolhe o lixo com desenvoltura admirável. No rosto, a expressão de alegria, realizando sua tarefa com plena satisfação. Paro um instante e vou falar com ele. Minha impressão estava certa. Encontro um senhor cheio de energia, contente com o que faz. Peço-lhe para me falar sobre o seu trabalho. Ele me diz gostar bastante. “Nos chamam de lixeiros. Porém, somos os limpadores. Produzem montanhas de resíduos e cabe a nós tirá-los dos espaços públicos. Imagine o caos se fizéssemos greve de uma semana, apenas.” É a pura verdade, penso. Por fim, pergunto qual a pior coisa sobre a sua profissão. Prontamente ele responde: “Somos invisíveis para quase todo mundo. Ninguém nos vê. É como se a gente não existisse.” Impactado com a resposta, segui adiante, refletindo sobre suas palavras. E fui obrigado a admitir: também eu, algumas vezes, sou um desses seres ao qual ele se referiu. Correria, distração ou dificuldade em perceber alguém tão fundamental para manter a organização em tantos locais? Provavelmente um pouco de tudo isso. Mas pesa mesmo, devemos ser sinceros, é o preconceito recaindo sobre este afazer. Triste.
Pessoas invisíveis
Como no ensinamento budista, tudo no mundo se conecta. Apenas os humanos insistem no princípio da separação. Às vezes, é preciso recolher o lixo do lado de dentro
Gilmar Marcílio
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