Na ótima série Rugido, um dos episódios tem como protagonista uma mulher que vai até determinada loja para devolver o seu marido. Ela está cansada de sua passividade, da falta de intimidade e carinho. Sim, em um mundo distópico, seria possível fazer isso. Esse ato pressupõe a possibilidade de levar para casa outro representante da ala masculina. E veja, o cônjuge só poderá voltar ao mercado das substituições por preço igual ou inferior ao da aquisição anterior. E observamos um contingente enorme em liquidação. É uma ideia curiosa, surreal até, mas nos permite refletir sobre os relacionamentos por um viés inusitado. O tempo passa, o tempo voa, e cremos não haver porque persistir cuidando da pessoa que está conosco há décadas. Ela acaba fazendo parte do mobiliário. Algo meio estático. Ao custo de tanto ver, torna-se invisível. E, um erro crasso, passa-se a acreditar nem existir mais a necessidade de olhar com admiração para esse milagre de ter sido escolhido. A conquista já foi feita. Agora é seguir no piloto automático. Ora, como se a vida não exigisse de nós um aferrado investimento de ordem afetiva.
Piloto automático
Opinião
“Posso devolver meu marido?”
O tempo passa, o tempo voa, e cremos não haver porque persistir cuidando da pessoa que está conosco há décadas
Gilmar Marcílio
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