Que já não é mais possível deter a aceleração do tempo, mesmo que essa impressão seja meramente psicológica. Seu corpo acabará sentindo isso de maneira concreta, real. Algumas barricadas podem ser erguidas, sim, mas uma parte de nós terá apenas um papel passivo nesta história. Ninguém pode nos obrigar a entrar no olho do furacão, mas é pouco inteligente fazer de conta que não está acontecendo nada. Eu me maravilho e me horrorizo, simultaneamente. Aprecio a liberdade e as escolhas que depositam com constância aos nossos pés. Paradoxalmente, quem comanda nosso país parece cada dia mais incomodado quando o assunto é arte, sexo ou religião. Camisa de força em todos os que acham que podem pensar por si próprios. O que o Estado decide deve ser bom para todos, para cada um. Eles passarão, mas o ovo da serpente choca novos líderes cada vez mais propensos aos extremismos. De direita e de esquerda, que, afinal, acabam tendo o mesmo discurso. Felizmente ainda (ainda!) se pode falar, protestar, manifestar-se. É um direito recente conquistado pela humanidade. As masmorras medievais não nos deixam mentir. Graças e louvores por vivermos nesta época, no Ocidente.
Que é desnecessário afastar-se dos outros ou estar permanentemente em meio às pessoas para encontrar um ponto de equilíbrio, certa paz almejada, serenidade. O espesso caldo da modernidade nos permite optar pelos dois polos: o dos encontros e o da solidão restauradora. Mesmo que você se tranque no quarto, as notícias o alcançarão. Hoje é praticamente inviável criar uma redoma e isolar-se. Mas podemos, sim, optar pelo que é menos tóxico, recuperando uma palavra em franco desuso: “Não!” Recusar o excesso, a falta de descanso, a necessidade de absorver tudo o que colocam sobre a mesa. Não precisamos de tanto. O que conta é de outra natureza, sempre foi. O homem lúcido incorpora a si o que de melhor a realidade lhe oferece. Sabe que terá que lutar constantemente para distinguir o que tem valor em meio às tempestades de ofertas, sejam elas de ordem material ou emocional. Ainda é saudável repetir velhos modelos. O novo é bem-vindo, mas não deve excluir o que foi experimentado e deu certo. Que obsessão é essa, de querer que tudo seja inédito?
Que viver continua sendo um espetáculo que desafia os mais fracos. Porém, as fraturas saram logo e pode-se voltar ao jogo. Coloque as mãos no barro. Uma vida muito higienizada rende pouca alegria. Fique em campo. Resista.