Com 267 apartamentos, três andares, dois acessos distintos, duas pracinhas, três salões de festa, restaurante e minimercado, um imóvel na cor verde ocupa um quarteirão inteiro de frente para o mar em Tramandaí. Trata-se do Condomínio Edifício Quebra Mar — um clássico da praia do Litoral Norte.
Construído nos anos 1960, o espaço lembra um forte e chegou a ser chamado no passado de Carandiru, em função da arquitetura semelhante à antiga Casa de Detenção de São Paulo, demolida em 2002. Zelador há 23 anos no local, Leutério Molinari, 70, mora no condomínio e compartilha o clima familiar. Conta que há muito respeito entre os moradores e os veranistas.
— Eu conheço tudo e todos. Dos 267 apartamentos, sei quem são todos os proprietários — orgulha-se o zelador, que é natural de Cruz Alta, no Noroeste, e se criou em São Gabriel, na Fronteira Oeste.
Graças a indicações de amigos, foi com a família para o condomínio em Tramandaí, de onde nunca mais saiu. E nem pretende.
— É uma minicidade — define.
Cerca de 15 famílias vivem no Quebra Mar todo o ano. Porém, na temporada de verão, mais de mil pessoas dividem o espaço. Há box de estacionamento para todos os apartamentos. E as moradias possuem um, dois ou três dormitórios. Não há elevadores, nem sacadas para o lado de fora. Também não existe acessibilidade.
O local já serviu como set de filmagem para o filme Houve uma Vez Dois Verões, de Jorge Furtado. Além disso, nos anos 1990, o ex-craque Ronaldinho Gaúcho jogava bola com os amigos no time do condomínio. E o cantor nativista Neto Fagundes, que atua como apresentador no Grupo RBS, já viveu ali e tocava violão junto aos vizinhos de porta.
O aposentado Nilo Rodrigues, 73, veraneia no imóvel desde os 18 anos. Conforme narra, o pai dele comprou um apartamento ainda na planta.
— Tinha até cômoros de areia aqui — diz Rodrigues sobre os primeiros anos da construção.
Segundo ele, o local é ideal para criar filhos e netos.
— É um ambiente familiar em que a pessoa vive aqui dentro, independentemente do que acontece lá fora. Cheguei em dezembro e não fui ainda no mar. Vivo mais aqui dentro do que fora, porque é um ambiente sadio e de respeito. Aquele ambiente, às vezes hostil de lá fora, não acontece aqui.
Quando houve a enchente de maio de 2024 em Porto Alegre, Rodrigues decidiu ir para o apartamento de dois dormitórios voltado para o Centro de Tramandaí. A ideia era esperar a água baixar e a vida retomar a normalidade. Acabou ficando por dois meses.
— Isso aqui é um paraíso. A pessoa revive toda a vida passada. Eu, com 73 anos, revivi tudo aquilo que jamais imaginaria reviver. Era dos meus pais e eu trouxe a mudança quando tinha 18 anos. Venho todos os veraneios para cá. É belíssimo isso aqui. Só quem revive e vive aqui dentro sabe o que é o poder do Quebra Mar — externaliza.
Para se ter noção da grandiosidade do espaço, são oito caixas d'água, cada uma com capacidade para armazenar 20 mil litros. E há mais dois depósitos com 40 mil litros em cada um.
A estimativa dos moradores é de que o imóvel ocupe uma área de cerca de 1,4 mil metros quadrados. E há ainda churrasqueiras, sala para limpeza de peixes, chuveiros para tirar a areia da praia e bicicletário.
A aposentada Angela Calixto, 60, tem apartamento no condomínio há seis décadas. O pai comprou quando ela tinha apenas um ano de idade. O imóvel ficou para ela, que repassou a propriedade para sua filha. A família ainda comprou o apartamento ao lado e conectou os espaços. Agora, até churrasqueira tem dentro de casa.
— É uma maravilha, isso aqui é uma família. Estou amando, conhecemos todo mundo, tem pessoas que moram aqui — afirma a moradora de Canoas, na Região Metropolitana.
A boa convivência entre mais de mil pessoas depende de algumas regras. Entre as quais estão:
- proibição de escutar som alto
- animais de estimação só podem circular na guia
- não é permitido jogar bola nem andar de skate no pátio, nem nos corredores dos demais andares
- a velocidade permitida para os carros na área interna é de 10 km/h
Questionada sobre o que mais gosta do condomínio, Angela responde:
— A praticidade de pegar minha cadeira, atravessar a rua e estar no mar. Para mim, praia precisa estar perto. Por isso estou no Quebra Mar.
O lugar tem uma mascote há cerca de 15 anos. O gato amarelo Mitcho circula pelo pátio interno onde todos o conhecem. O felino já sobreviveu a um atropelamento e os custos foram bancados pelos moradores. Quando mais jovem, gostava de saltar e pegar pássaros desatentos. Hoje, está menos aventureiro, mas adora ganhar afagos.