Às vezes, sinto a tentação de classificar a humanidade unicamente em duas espécies: a dos que estão buscando um relacionamento amoroso e a dos que passam a vida reclamando do que tem em casa. Ou seja, ninguém parece estar satisfeito. Exagero? Tenho minhas dúvidas, e as baseio nos relatos de amigos e de psicólogos que se dedicam ao assunto.
Entre os que se queixam, podemos situar todos os que já não conseguem mais perceber as qualidades de quem está ao seu lado. Irritam-se facilmente com atitudes banais, dando-lhes dimensão épica. Deixam de expressar sua afetividade, acreditando que o hábito tudo destrói. Mas continuam atrelados ao que lhes provoca mais irritação do que alegria. E muitos cometem um pecado que considero capital: falar mal de seus companheiros em público. E nem precisa que encontrem alguém com grande intimidade para fazer o relato completo de sua insatisfação. Necessitam apenas da catarse, do alívio que provoca a partilha. Considero uma das situações mais constrangedoras pelas quais se pode passar, pois a outra pessoa não está presente para se defender. Se você não aguenta mais a criatura com quem divide a cama e a educação dos filhos, por mais doloroso que seja o processo de separação, ainda assim será menos tóxico do que acordar ao lado de quem não se tolera. Incomodam-se por banalidades, passam cada minuto apontando erros que seriam suportados facilmente em outras circunstâncias. Acabam escravos, mesmo podendo reivindicar sua alforria a qualquer momento. Se por um lado conquistamos essa liberdade pela prática de costumes mais flexíveis em nossa época, ainda permanecemos presos a algo que gera infelicidade. Por anos, décadas.
No lado oposto, estão os que acreditam que tudo se resolveria com um relacionamento afetivo estável. Empenham grandes esforços na arte da sedução e invejam secretamente aqueles que já conseguiram esse propósito. Sem saber que também despertam cobiça por terem diante de si a possibilidade de ainda escolher e de desconhecerem o desgaste inevitável que o casamento provoca. Se chegam aos emblemáticos quarenta anos ainda solteiros, veem suas chances escassear consideravelmente dentro de uma sociedade que glorifica a juventude. E acabam diminuindo as expectativas para poder fazer parte do segundo grupo, o dos casados decepcionados. Em meio a essa divisão, é claro que encontramos quem soube construir uma vida a dois baseada na admiração e no respeito recíproco. Mas tenho a impressão de que, numa estatística, não ocupariam um lugar privilegiado. O que vemos por aí, em gritante maioria, são seres insatisfeitos com a sua condição.
Como poderíamos resolver esse impasse? Talvez dando menos importância aos defeitos alheios e analisando com mais rigor os nossos. E praticando a tolerância. E entendendo que a felicidade não está atrelada, necessariamente, ao nosso estado civil. Que tal minimizar o descontentamento? Temos dificuldade em dividir espaços e, também, em permanecer sozinhos. Conviva melhor consigo mesmo para depois cobrar algo dos outros. Só depois.