A procissão de Iemanjá, a Rainha do Mar, foi marcada por beleza, emoção e entusiasmo de centenas de devotos na noite deste sábado (1º), em Tramandaí, no Litoral Norte. Pela primeira vez, ocorreu um casamento de matriz afro durante a festa no município.
Um caminhão enfeitado por balões azuis e brancos percorreu vias com as imagens de Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes. As estátuas estavam rodeadas por flores. Às 22h25min, o veículo chegou à Avenida Beira-Mar, esquina com a Protásio Alves, na altura da plataforma de pesca.
Buzinaço e barulho de instrumentos, como pandeiros e tambores, davam sons ao cortejo. As imagens foram transferidas para um andor, onde 12 guarda-vidas do Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBMRS) as conduziram sobre os ombros até o ponto em que fica o Monumento a Iemanjá, nas imediações da guarita 154.
Para Iara Teresinha Frank, de 45 anos, filha de Oxum, a festa de Iemanjá é um evento marcante. A devota veio de Taquara para participar e fez questão de entrar no mar para agradecer.
— Para nós da religião afro, esse momento aqui é único. É onde a gente vai poder expressar a nossa religiosidade e ter o respeito, porque muitas vezes as pessoas têm preconceito com a religião afro. É humana, não tem cor, raça e gênero, engloba todos. Isso é a nossa fé na religião afro — explicou.
Fiéis acendiam velas e as depositavam acesas em buracos na areia, outros levavam flores como oferendas até o mar, enquanto alguns colocavam cuidadosamente barcos de madeira na cor azul na água. Famílias assistiam à festa e circulavam pela areia. Quando as imagens chegaram ao Monumento a Iemanjá, houve queima de fogos de artifício e pipocar de foguetes.
— Essa festa linda e maravilhosa, o povo também tem que ter consciência sobre limpar. A gente vem, saúda mãe Iemanjá, mas vamos deixar a praia limpa e não colocar lixo. Ter a consciência de oferendar lá na imagem e não colocar coisas perigosas no mar, que podem atingir as pessoas no dia seguinte quando forem tomar banho — disse Rosa Elaine, 52, filha de Oyá, de Parobé.
No entorno do Monumento à Iemanjá, os visitantes deixavam flores, frutas como melancias, doces e velas acesas. Ao lado, devotos faziam filas à espera de tomar um passe em data tão simbólica para a religião de matriz africana. Alguns tiravam fotos e filmavam a movimentação.
O vendedor Eduardo Santos, de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, nunca havia trabalhado em uma procissão. Neste sábado, oferecia flores em baldes. Ele trouxe 300 rosas e tinha a expectativa de comercializar pelo menos 200. O restante pretendia vender neste domingo (2).
— Estou pela primeira vez na procissão de Iemanjá. Vendo duas rosas a R$ 20 e uma a R$ 15 — comentou.
Muitas tendas ofereciam imagens de Iemanjá, camisetas, pulseiras, entre outros itens. Uma roda de capoeira animava o espaço perto ao Monumento a Iemanjá, com berimbaus sendo tocados por praticantes.
Janaína Machado Campos, 42, mãe de Oxum, veio de Rio Pardo e segurava uma vela à espera da procissão:
— Para nós é muito importante, porque Iemanjá é a grande mãe nossa da nação. Então, estar aqui à beira-mar, em culto religioso é muito significativo. Pedir as glórias dessa grande mãe nos enche o coração de alegria.
O Babalorixá Pai Ricardo de Oxum, do Reino de Iemanjá Omi Mare Sessum, mencionou o sofrimento dos gaúchos em função da enchente de maio.
— A gente espera uma entrega de fé como está acontecendo aqui. Iemanjá vem abençoando essas famílias. O Rio Grande do Sul sofreu muito em 2024 com água. E Iemanjá é mãe das Águas. A gente vem aqui louvar, caminhar de pés descalços para pedir misericórdia pelo mundo, pela humanidade, que Iemanjá abençoe todos — pediu.
Após a meia-noite, a beira da praia continuava tomada por devotos e pessoas que decidiram acompanhar a festa. Muitos ainda entravam no mar enquanto outros ficavam sentados ou em grupos na areia. A Rainha do Mar teve uma celebração à altura.
Casamento reúne devotos
O primeiro casamento afro da procissão de Iemanjá em Tramandaí teve o acompanhamento de centenas de pessoas, sejam devotos, convidados ou curiosos. O Babalorixá Pai Ricardo de Oxum foi o sacerdote da cerimônia, que teve início às 23h18min.
— Hoje, dentro do matrimônio, para o africanismo é um dia muito especial. Porque é o primeiro casamento afro na beira da praia de Iemanjá. Matriz africana, o nosso povo, a nossa ancestralidade. Aquilo que os nossos antepassados, através dos porões dos navios negreiros, lutaram muito para hoje a gente estar aqui sendo respeitado e podendo proferir a nossa fé — discursou Pai Ricardo de Oxum, dizendo que a vida de casal tem momentos bons e outros difíceis.
A celebração contou com músicas, danças e itens dados ao casal como acarajé e mel. A noiva Elisiane Ferreira da Cruz, 33, estava emocionada e chorou na cerimônia.
— Foi um sonho realizado, não tenho nem palavras nesse momento. Foi muito melhor do que eu sonhei. Então, podendo casar numa festa tão importante como da Mãe Iemanjá, para nós está sendo especial — disse Elisiane, que trabalha como esteticista.
O noivo Renan Barros Nunes, 32, vestia branco e não escondia a felicidade com o matrimônio. O casal é de Pelotas, na Zona Sul do Estado.
— Essa decisão foi sonhada dois anos atrás, no início do nosso relacionamento. Ela sonhou com esse momento e me contou que sonhava em casar com o vestido de religião. E dois anos depois, às vésperas da festa de Iemanjá, nós levamos essa ideia para o Pai Ricardo e ele resolveu fazer esse casamento à beira-mar — relatou Nunes.
Ao final do matrimônio, o casal recebeu abraços de familiares e amigos. Houve danças em círculos dos presentes. Dois bolos com decoração marítima podiam ser vistos. A lua de mel dos recém-casados será passada em Tramandaí. Com as graças e a benção da Rainha do Mar.