Sempre que telefono para alguém, tomo o cuidado de lhe perguntar: "Podes falar agora?" É o mínimo de delicadeza que se deve ter, pois, afinal, estamos invadindo sua privacidade. E num mundo cada vez mais conectado, respeitar os momentos de descanso dos outros torna-se um bem-vindo protocolo de civilidade. Um fato, entretanto, tem despertado a minha atenção. Com preocupante reincidência, o que recebo como resposta costuma ser isso: "Pode, mas só se for um minutinho."
Convenhamos, isso diminui a escala de relevância do que pretendemos falar. Afinal, deve haver, do lado de lá, algo muito urgente a ser discutido. Só não sei exatamente o que seria isso, já que nossas decisões não costumam influenciar a ordem do cosmos. Tenho a impressão que estamos atropelando a nós mesmos, certos de que sem as nossas resoluções cruciais a vida pode ficar comprometida. Com a graça divina, já passei dessa fase. E a boa sensação que permanece é a de que, absolutamente, não sou imprescindível. Tento agir e fazer meu trabalho o mais correta e honestamente possível. Mas vejo tanta gente íntegra e competente ao meu redor, que não me deixo picar pelo aguilhão da vaidade.
Recordo de um delicado filme chamado “Camino a La Paz”, do diretor Francisco Varone. A cenas tantas, um líder religioso de uma pequena comunidade discursa para alguns fiéis: “O caráter é formado pelo acúmulo de pensamentos recorrentes que temos. O tripé no qual se apoia a falsa personalidade é o medo, a preguiça e a importância pessoal.” Atentemos para este último. Quando acenamos com a nossa falta de tempo, estamos passando a mensagem de que, independente do que se vá falar, o que o outro faz é muito, muito mais significativo. Hoje tento desconsiderar a emblemática frase e, de maneira sucinta, dou o meu recado. Mas não esqueço que isso está se tornando algo corriqueiro. E que poucos conseguem fugir desse sentimento de premência que reveste quase tudo. Ao adotar esse tipo de postura, deixamos de lado uma gama de situações que podem ser mais prementes. Exemplo: na semana passada, saí de casa bastante atrasado para uma reunião. Assim que entrei por uma pequena estrada de chão que dá acesso à rua principal, vi um caramujo atravessando com lentidão a minha frente. Pronto, pensei, mesmo que desvie dele, é provável que mais tarde seja atropelado. Esqueci o atraso e, depois de observá-lo encantado por alguns instantes, transportei-o até um pequeno gramado para que ele seguisse a sua jornada.
Tudo pode ser bem mais simples do que imaginamos. Minha filosofia de vida é dispor de vários, de muitos minutos para quem me procura. Mesmo que fique tenso, pensando no que tenho para fazer, vale a pena presentear nossos amigos com esse precioso bem. Mas, atenção: gaste-o tendo em mente que ele não será reposto jamais. Mesmo assim, seja perdulário: ofereça mais do que lhe pedem. Não o fracione de forma tão miúda. Amanhã poderá ser você a mendigar por esta modesta volta dos ponteiros do relógio.