Não há, na história da humanidade, revolução que tenha causado mais impacto do que a da tecnologia. Ela alterou radicalmente nossa maneira de viver e de nos relacionarmos. Por ora, ainda nos questionamos sobre os benefícios e os aspectos negativos que apresenta. Em breve, nem isso acontecerá mais. Pertencerá à categoria das coisas óbvias, como indagar, antes de entrar em determinado ambiente, se ali há ar para respirarmos.
"Entre quatro paredes, sozinhos, não somos desafiados a enfrentar as diferenças.”
Aprendi, com o admirável historiador Yuval Harari, que a atitude mais inteligente não é vociferar contra essas vertiginosas mudanças. Antes, devemos dizer a nós mesmos que não compreendemos bem o que se passa e que faremos um esforço para tal. Posicionar-se contra é inútil. Nada deterá os avanços que vemos diante de nossos olhos a cada dia. Talvez a grande dificuldade se situe exatamente nisso: quando começamos a assimilar algo, isso já se torna obsoleto. Tenho desenvolvido uma postura mais tranquila. Embora muito do que vejo as pessoas buscando em seus aparelhos não me interesse, entendo que, por razões que me escapam, são seduzidas por essa espécie de mergulho no infinito. Tendo à porta de entrada o seu ego, a vontade de se exibir. Paciência. Tudo é cíclico.
Faço essas ponderações depois de conversar com uma amiga que trabalha como psicopedagoga, especializada na área infantil. Pergunto a ela qual a queixa mais recorrente em relação aos pais, o que os têm distanciado de um diálogo mais enriquecedor. De imediato, ela me responde: “Quase todos me dizem que não aguentam mais vê-los acessando seus smartphones a toda hora e que pouco falam com eles.” Você imaginaria isso a cinco anos atrás? O contrário nos pareceria mais verdadeiro, progenitores reclamando que seus filhos não tiram os olhos da pequena tela luminosa.
De onde se conclui que praticamente todos se tornaram adictos. Uma palavra que, em sua origem, significa escravos. É bom ficarmos atentos para o que esta nova modalidade de contato está provocando nestes seres em formação. Não raro ficam encapsulados em seu universo, apresentando dificuldades para se relacionar com os demais. Desenvolvem síndromes que acabam sendo anestesiadas com medicamentos. E aqui cabe perguntar: que adultos eles se tornarão? Autistas funcionais, capazes de produzir compulsivamente, mas totalmente alijados da possibilidade de desenvolver uma gama de afetos e responsabilidades?
Ser apenas o arauto que anuncia a catástrofe não é de grande valia. Espero que em breve comece uma mobilização maior, analisando eventuais malefícios. Minha percepção é a de que estamos trocando informações compulsivamente, mas nos comunicando cada vez menos. A liberdade que isso nos trouxe está sendo solapada pelo conforto decorrente. Podemos ter o mundo à disposição sem sair do quarto. Entretanto, esquecemos que entre quatro paredes, sozinhos, não somos desafiados a enfrentar as diferenças. O resultado, em muitos casos, é o desejo de eliminar (com palavras ou armas) tudo o que difere dos nossos pensamentos.