Nunca me filiei a um partido político. Da mesma maneira, não posso dizer que seja católico, espírita ou budista. Simpatizo com alguns rituais, mas não cultivo pensamentos que me levem a crer que seria mais feliz se seguisse determinadas cartilhas. A vida me conduziu por esse caminho e constato isso com serenidade.
Conheci seres humanos moral e eticamente superiores que não tinham carteirinha de nenhuma dessas agremiações. O contrário também pode ser verdadeiro. A grandeza não precisa, necessariamente, ser sustentada por mandamentos. Aprecio a ideia de seguir alicerçado em princípios de liberdade, sabendo, de antemão, que essa escolha traz em si sua carga de solidão. Mas que a recompensa com a coragem. Na maioria das vezes, tudo se traduz na nossa capacidade de navegar com âncoras ou ao sabor das ondas.
Observo, com renovada curiosidade, um fenômeno que parece estar se exacerbando atualmente. Você nunca encontrará, jamais, sob hipótese alguma, um modesto vereador, deputado ou ministro que se declare culpado de algo, por mais insignificante que seja o deslize. Só existem inocentes nesse ilibado campo de atividade. Pouco importa que sejam filmados em alguma transgressão. Todos se declaram vítimas de rivais em eterna vigilância, empenhados em destruir quem só quer fazer o bem. Vivem num patamar superior que é vetado a todos os outros mortais. São tão cândidos que tudo neles transborda honestidade, mesmo quando surpreendidos com malas de dinheiro que se materializaram misteriosamente em suas casas.
O oposto ocorre quando a questão é angariar discípulos para um credo ou seita praticados numa catedral ou pequena garagem, tanto faz, onde almas sofridas entregam seu tempo e um naco de seu salário. O fato é que todos eles trabalham com a questão da culpa. Pessoal e cósmica. Se as coisas não andam bem, tudo está escasso e a saúde ausente, tenha certeza de que você está desagradando a Deus. Veredito imediato: a responsabilidade é sua. E aqui contam com um aliado poderoso: a presumível existência do demônio. Segundo o escritor José Saramago, sem esse personagem, nenhuma doutrina sobreviveria. Longe da dialética do bem e do mal, todo o consolo que representa terceirizar a responsabilidade estaria fadada a desaparecer.
São dois fenômenos curiosos que constituem a nossa espinha dorsal. Em doses comedidas, não parecem representar grande perigo. Porém, ao se apresentar como uma espécie de epidemia, podem conduzir a uma derrocada da razão. Fique atento, portanto: há mais chance de encontrar alguma verdade nos que optam por se afastar dessas "paixões" que inevitavelmente cegam. Elas nos conduzem a praticar votos de fidelidade a quem só se preocupa em expandir essa doença atemporal: a fome de poder.