O que seria de mim se não vivesse num lugar onde posso armazenar silêncio e verde? Próximo das noites enluaradas, do cantar dos sapos que insistem em suas sinfonias assim que o crepúsculo chega. Extraio alimento de cada instante em que caminho pelo bosque, na escuta atenta do que acontece sob os meus pés. É um crepitar constante, uma espécie de fábrica em miniatura em que operários trabalham incessantemente. Cuido para que meus passos não assassinem minúsculas criaturas que seguem com suas vidas alheias à violência humana. Formigas cavam seus túneis mágicos, carregando comida para os dias de escassez. Grilos cantam e a melodia reverbera num ensaio não premeditado, amparo para quando a escuridão chegar. Encosto meu rosto no tronco de uma árvore antiga e deixo que o limo que lá se abriga o acaricie de leve. Nem preciso lembrar de algum poema para me sentir imerso na poesia. Isso é a própria poesia. Fico quieto, abraçando-me em sua imobilidade vegetal. Estou confortado, como se mal algum pudesse me alcançar. Não tenho expectativas e nem choro por um passado vestido de culpas. É a gratidão do momento que se esgota em si mesma. E compreendo, delicadamente, o que Buda passou a vida tentando nos mostrar. Mas sei que é lição efêmera: o mundo das gentes me devolverá à ansiedade e ao querer, esses venenos contemporâneos que nos privam da serenidade.
Continuo meu passeio pelas estradas de pedra que desenham uma direção a seguir. É uma geografia diversa que agora se assemelha a um lar, uma casa, um abrigo. Arbustos surgem da terra íngreme e compõem uma paisagem que me interessa habitar. Não recuso o encontro com os outros, o desafio dos confrontos, a vontade de assimilar um pouco das diferenças que nos fascinam e amedrontam. Mas é aqui, neste pequeno sacrário, que entendo o quanto vale a solidão de cada um. Ficar parado, contemplando apenas, sem a frenética necessidade de comunicar aos demais o que estamos fazendo. Ou melhor, o que não estamos fazendo. Há uma suspensão do tempo, como se não fosse preciso buscar mais nada. Um leve torpor nas pernas faz com que me sente sobre as folhas secas. Descanso enternecido dentro desse infinito que não sei traduzir, mas que me faz tão bem. Persisto olhando, apenas olhando, como um pássaro que se nutre de vento, de sonho, de azul. A morte também faz parte deste cenário, mas nesta quietude de fim de outono sinto que algo se estende além de mim e não pertence às horas, aos dias. Mesmo o longínquo ruído de um carro não me rouba essa sensação de saciedade.
Macero entre os dedos uma folha de eucalipto. Emociono-me com a doçura de seu perfume invadindo essa tarde que é uma festa para os sentidos. Lembro das tias, do pai e da mãe. Foram eles que me ensinaram a respeitar a natureza como se fosse uma religião. Fecho os olhos e agradeço. Sem palavras. Sou sustentado pela alegria de estar vivo e feliz. Como uma criança que se abastece de espanto.