Não tenho o hábito de chamar as pessoas pelo pronome de tratamento senhor ou senhora. Tenham alguns ou muitos anos a mais do que eu. Considero bem mais simpático o tu e o você. E não vejo nisso nenhum sinal de falta de respeito. Pelo contrário. Percebo, na maioria das vezes, um olhar de aprovação no interlocutor, como se, valendo-me dessa simples referência, estivesse lhe subtraindo algumas dezenas de anos. Numa sociedade que discrimina os velhos, pequenas sutilezas podem barrar seu avanço em nosso cotidiano. Sem falar que esse tom de coloquialidade costuma romper certas barreiras em que posições sociais ou cargos acabam por impregnar os contatos. Creio que podemos mostrar consideração pelas atitudes, estas sim, determinantes na qualidade dos encontros que vamos estabelecendo ao longo da vida. Ora, é possível detestar alguém e fazer-lhe mesuras verbais. As palavras jamais serão um indicativo do apreço ou desconsideração que nutrimos por uma pessoa.
Como um derivativo, lembro agora que nunca fiquei impressionado diante de seres bem aquinhoados financeiramente ou que detém algum tipo de poder. É tudo tão circunstancial, tudo sujeito a ápices e declínios, que não consigo vê-los em estatura maior que a minha. Até porque dinheiro, fama ou possibilidade de mando não são contagiosos. Não colam na gente como num passe de mágica. Se estou perto deles aproveito para saborear as benesses que advém dessas circunstâncias. Admiração eu tenho por quem é excepcionalmente inteligente ou tem um senso de humor aguçado. Do lado deles costumo ficar atento, absorvendo o que pode ser incorporado à minha realidade. No mais, e só pensar que o fim que nos é reservado apresenta espantosa semelhança. Tudo passa tão rápido.
No outro extremo, pense em alguns políticos que, mesmo nutrindo ódio uns pelos outros, tratam-se pelo pomposo "Vossa Excelência". Acho isso hilário, para dizer o mínimo. Prova inconteste de que a língua pode ser usada de maneiras não muito nobres. De onde se conclui que, mesmo que alguns prefiram o distanciamento pronominal, geralmente o fazem para provar que detêm alguma autoridade. Resisto também em chamar os médicos de doutores. Até porque a maioria deles não fez doutorado, condição que os habilitaria a receber tal nominação. Numa profissão em que alguns pecam pelo desejo de se colocar numa posição acima dos meros mortais, é sempre bom evitar se manter de joelhos. Cada um é senhor de uma pequena parcela de conhecimento. Alguns são mais reconhecidos do que os outros. Depende da sociedade e do tempo em que estão inseridos. Há os que se espantarão em saber que filósofos foram adulados em épocas que valorizavam a sabedoria e a virtude. Em outras palavras, somos nós mesmos que damos e retiramos o significado da realidade que nos cerca.
Persigo a leveza e sei que ela passa ao largo de todos esses rituais de lisonja, quando não de subserviência. Algum dia todos verão seu trono ser retirado e entregue ao próximo passante. Melhor começar agora o desapego. Doerá menos.